Este é o blog de Maria Emilia Algebaile, com contos, crônicas, poesia, fotografias,textos, sugestões de leitura e reflexões sobre nosso cotidiano.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
CONCURSO POEMA DE NATAL - REPÚBLICA DOS ESCRITORES
1º Lugar
Título: RENASCIMENTO DO IRMÃO
Nome da autora: MARIA EMÍLIA ALGEBAILE – RJ
RENASCIMENTO DO IRMÃO
Está ali deitado o meu irmão,
Pedaço de mim,
Minha parte melhor,
Deitado, calado, numa viagem interior.
Vinte dias em coma
E tanta coisa que eu tinha pra dizer
E nunca foi dito.
Tanta coisa que eu tinha pra escutar
E nunca foi ouvido.
Sequer conseguia lembrar-me
De que ele tinha cabelinhos dentro da orelha
E que fazia uma covinha na face
Quando sorria com os dentes alvos
Agora tão quebrados.
Tiramos no par ou ímpar
Quem passaria a noite de Natal
Com o irmão querido
Que se acidentara no início de dezembro.
Ganhei. Sou a irmã mais velha
E isso me caberia por direito,
Mas todos fizeram questão de participar do sorteio.
Vinte dias rezando, chamando seu nome
E ele lá deitado na sua manjedoura,
Cercado de aparelhos, recebendo visitas
Que chegavam, talvez, guiadas pela Estrela Guia.
Chegava gente de toda parte,
De todo credo, de toda cor,
Mas com um único sentimento:
Ver o menino renascer.
Milagre, coincidência ou apenas fato,
Ele voltou de sua peregrinação
Pelo deserto longínquo da mente
Justo no dia 25.
E não importa se ele me achou parecida com um anjo,
se ele pensou que o enfermeiro era o Papai Noel.
Importa é que ele voltou à vida,
Importa é que ele abriu os olhos
e desejou feliz Natal a todos os moradores
daquela enfermaria.
Importa é que ele estará novamente sentado à direita de mamãe
na mesa farta da ceia natalina,
donde há de brindar-nos com o mais puro sentimento
do irmão que foi feito nossa imagem e semelhança.
Sobre a autora
Maria Emilia Algebaile, graduada em Letras, Especialista em Políticas Públicas pela UFRJ e com Mestrado em Educação pela UFF, dedica-se, há mais de vinte anos, à escrita literária e a estudos técnicos e acadêmicos no campo das políticas públicas. Nascida em 1959, em Paraíba do Sul, Rio de Janeiro, é autora do livro "Mulheres que correm com as baratas", de contos e crônicas e possui textos e poesias em várias coletâneas, e diversos artigos publicados em livros e revistas especializadas em política educacional. Tem um blog, "Quanta Letra" - quantaletra.blogspot.com, onde escreve poesia, crônicas, contos e outros pensamentos. Também participa do Coletivo Multiartístico "Caneta, Lente e Pincel", colaborando com o blog canetalentepincel.blogspot.com, tendo participado de exposições em centros culturais no Rio de Janeiro e oferecido oficinas literárias a professores, jovens, adultos e público da terceira idade.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Texto produzido na Oficina Literária do CCJF. Autora: Heloísa Marcondes
Uma história a partir da interferência
"sol a pino no final da tarde e música alta no ar".
"Naquela
sexta-feira ela ficou com o carro. Ele foi trabalhar de carona com um amigo e
ela prometeu apanhá-lo às seis horas da tarde para irem juntos visitar um casal
de amigos e, talvez, jantar com eles. Tudo dependeria do humor de ambos.
O clima entre eles não
andava lá muito bom. Qualquer coisinha era motivo de discussão. Conciliar o
trabalho da pós com a paz doméstica estava difícil. Buscar em Lacan a
explicação para aquele caso de masoquismo que escolhera como tema de discussão
requeria uma concentração que ela não estava encontrando. Desistiu, então, e
desligou o computador. Fechou os livros, mudou de roupa, desceu, ligou o carro
e foi para a cidade, a uns oito quilômetros de seu paraíso na terra.
Aquela casa, aquele
rio, as árvores que plantaram juntos, seus bichos, tudo aquilo era o seu sonho
realizado. Ali ela se sentia inteira, sua energia se recarregava, sua
sensualidade emergia, ela se sentia maior.
Casamento,
relacionamento, entendimento. Tudo isso é uma amolação quando no ar existe uma
dúvida, uma única pergunta não respondida que ela recebeu como se ele estivesse
disfarçando alguma coisa. Veio o ciúme, o velho ciúme a futucar sua
insegurança, a fazê-la remoer raivas e brigas antigas. Mas, agora, ela não
estava querendo se chatear.
Com a pressa de sair
para não perder a hora, ela não notou que o sol ainda brilhava forte. À medida
em que percorria a estrada de terra foi notando uma claridade que não era comum
àquela hora da tarde. Lembrou então que as cachorras não foram se despedir dela
como sempre fazem ao vê-la ligar o carro. Tudo estava parado. Nenhuma folha se
movia.
De repente, ao
aproximar-se da cidade, ela reparou que nada se mexia na rua, que não havia
ninguém em lugar nenhum. E começou a ouvir a música, que aumentava de volume
como a sua dúvida, como as perguntas que gritavam na sua cabeça.
Encostou o carro,
colocou as mãos nos ouvidos para fazer parar aquele som, mas não adiantou. O
sol e o calor do lado de fora estavam insuportáveis. Sentiu-se só, perdida,
aturdida. Onde estava a sua paz, a sua harmonia, o seu paraíso?
Foi então que sentiu a
mão no seu ombro e olhou para trás. E viu o seu amor. Abraçou-o com força e
esqueceu as perguntas. E não restou mais dúvida."
Heloisa Marcondes
07 dez 2012
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
Texto da Oficina Literária realizada no CCJF - Autora: Cecília Terrana
CHAMADA PERDIDA
De Cecília Terrana
- Põ, gata! Não é nada disso, não
to de caô, não... Eu não podia mesmo atender o celular, eu tava no fixo com a
Dra. Ivone (...) Eu sei que hoje é domingo, mas ela me ligou. Pô , gata, ela é
minha patroa, não posso deixar de atender(...) Gata, eu não trabalho no domingo,
mas ela trabalha. Tá com um processo complicado aí, coisa de milhões, pra ela
não tem feriado nem dia santo, não! O dr Filipe foi pra São Paulo pegar uns
documentos importantes, tão esperando essas provas pra preparar a defesa do
cliente (...) Claro que eu não tenho nada a ver com isso, eu sou só o
mensageiro do escritório (...) Pô, gata boy não , que é sacanagem1 Eu sou
mensageiro (...) Mas eu não liguei pra ela, foi ela que me ligou, contando uma
parada estranha. Aí, disse que tava no ônibus, vinha encontrar com dr Filipe no
Santos Dumont, vinha lendo um livro, pra variar, e quando ela olhou pela
janela, estranhou que o ônibus estava fazendo a curva pra entrar no Flamengo.
Estranhou, porque domingo é área de lazer. Mas ela pensou que pelo horário, já
tinha terminado e voltou a ler o livro, biografia da Dolores Duran. Só levantou
a cabeça pra fazer sinal, já perto do ponto do aeroporto. Aí viu que estava
sozinha no ônibus, não tinha mais ninguém (...) Pô, gata, eu sei que essa
história ta estranha, eu também achei, mas ela tava tão nervosa no telefone que
eu fiquei com pena, pensei em tanta coisa, até em seqüestro relâmpago (...)
então, calma que eu vou contar: ela saltou e não tinha ninguém na rua, nem no aeroporto,
nem carro, nem táxi, ninguém nos corredor, ninguém nos balcões pra dar
informação. Então ela ligou pra mim, pra eu confirmar a hora do vôo. Eu
lembrava direitinho: 18 horas e 10 minutos, seis e dez da tarde, né? Mas aí, gata, começou uma música alta pra
caramba, eu ouvia tudo pelo telefone. Música antiga, sabe? Era a cantora do
livro, Dolores Duran. Como é que pode? Ela vem lendo a biografia dessa mulher e
no aeroporto toca a música dela? (...) Gata, eu não tô inventando essa parada
sinistra só pra não falar com você (...) É verdade, eu ouvi. (...) Como é que
eu vou saber o que aconteceu depois, a ligação caiu, eu to tentando ligar pro
celular dela e só dá fora de área (...) Peraí, que eu vou fechar um pouco a
cortina, que o sol ta vindo direto na minha cara. Esse horário de verão me
deixa louco (...) Gata, ta me ouvindo? A ligação ta picotando (...) Gata, que
parada sinistra, o sol ta subindo no céu, em vez de descer! Gata, que é que ta
rolando? Eu não to agüentando essa luz (...) alô! Alô!!!
7 de dezembro de 2012
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
OFICINA LITERÁRIA
Venham participar da última oficina do ano. Será no dia 07 de dezembro, das 17h às 19h, no CCJF. Entrada franca, com inscrição prévia. Vagas limitadas.
LI, GOSTEI E RECOMENDO
Uma biografia maravilhosa, excelente trabalho de pesquisa! Benjamin Moser mergulha fundo e nos traz à tona aspectos imprescindíveis da vida e dos livros de nossa grande escritora para uma melhor compreensão de sua obra. Clarice Lispector. Cada vez a admiro mais.
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
quinta-feira, 8 de novembro de 2012
O DIA EM QUE LUÍZA ANDOU NAS NUVENS
Um dia ela
acordou e decidiu vencer os medos, conhecer novos ângulos, respirar outros
ares, brilhar e espalhar sua luz pelos caminhos em que nunca ousara pousar os pés
delicados.
Saiu de casa
e sorriu para quem passava na rua. Foi caminhando de coração aberto e
praticamente saltitava de alegria ao perceber as nuances do verde, os
diferentes olhares das pessoas, com seus cabelos cada um de uma cor. Seguia
sempre em frente, pois sua meta era alcançar o horizonte.
E foi colocando
carinho em seus passos, absorvendo os cheiros das flores e transformando cada
olhar duro em doçura. Quase levitava e, por onde passava, deixava atrás de si
um mundo mais feliz.
Ainda hoje
se fala neste dia. O dia em que Luíza andou nas nuvens.
terça-feira, 6 de novembro de 2012
SÓ GUARDO DE TI
Só guardo de
ti
A palavra
farta
O abraço
quente
O suor
caudaloso
Teu corpo
gostoso
Bailando em
nossa cama sem fim
Só
lembro de ti
O grito na
noite
A força da
luta
O escuro da
gruta
Teu olhar de
espanto
O sorriso
marfim
Abro os
olhos e grito
Só peço a ti
Que volte
pra mim
Que volte
pra mim
Que volte
pra mim
domingo, 4 de novembro de 2012
SEMPRE UMA SABIÁ
Choveu a noite inteira e agora, pelas primeiras horas da manhã, a
natureza se apresenta de alma lavada. Os verdes assombram a vista e se colocam
inteiros em cada arbusto, grama ou grande árvore que aprecio.
Sento à mesa do café e me deleito com a paisagem que vejo da janela. Está
nublado, mas não chove mais. Algumas plantas ainda carregam sobre suas folhas
algumas gotas de água e eu não saberia precisar se são gotas de chuva ou de
orvalho. Sei que brilham e bailam e algumas se permitem cair das folhas ao
encontro da terra úmida que as abrigará.
Entre um gole de café forte e um pedaço de bolo, vejo em minha janela um
pássaro caminhando de um lado para outro. Imponente, cabeça erguida, o peito
alaranjado, vejo tratar-se de uma sabiá-laranjeira.
Ela me ignora solenemente e salta para os galhos próximos para, em
seguida, como que seguindo um ritual, desfilar no parapeito da janela. Fico
inebriada com aquele ser que esfrega sua natureza de pássaro em minha cara e dá
pequenos vôos ao redor das árvores do meu quintal. Que bela apresentação!
Penso em abrir o vidro da janela para ver se ela entra em minha sala.
Mas, não. Ela não me presentearia com uma visita. Tento me aproximar, mas ela
entende meus movimentos e voa para mais longe.
Recolho-me e fico quieta olhando. Ela se aproxima do vidro e dá pequenas
bicadas. Estaria tentando se comunicar comigo? Que sentimentos teria a
compartilhar comigo? Não. Penso que vê sua figura refletida e tenta um
entendimento. Ela só quer se comunicar com os iguais e eu, muito presa ao chão,
custo a compreender isso.
Uma sabiá no café da manhã parece ser uma coisa simples para quem enxerga
apenas um pássaro, uma xícara com líquido quente e preto, uma casa numa cidade
do interior. Mas o cheiro do café, há muito, penetra minhas cavidades e me
provoca viagens no pensamento e na alma. E o pássaro, quando se coloca na
condição de liberdade que sua conformação física lhe permite, me toca lá no
fundo, me provoca as vontades mais loucas de experimentar sair da minha gaiola
e ver a vida mais de perto.
Estou prestes a ter uma vertigem. A visão da sabiá passeando em minha
janela é um chamamento a que eu me desacomode de minhas almofadas mofadas e
sinta o cheiro do mato e perceba os matizes da vida e, enfim, abra minhas asas
e saia de mim.
terça-feira, 23 de outubro de 2012
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
SAUDADES DE MIM
Quando vejo alguém morrendo, me dá saudades de mim e acho que é por isso que eu choro. Eu me lembro de tudo que já vivi, tudo que já sonhei e percebo que, um dia, eu também vou morrer e talvez não dê tempo de fazer tudo o que eu desejo nem de sonhar coisas para o futuro.
Eu penso que, quando me olhava no espelho, eu via uma cara que eu não vejo mais... mas, ao mesmo tempo, o meu olhar me diz que aquela lá dentro ainda sou eu e tenho medo de que um dia eu deixe de ser.
Eu me recordo dos banhos de chuva que tomei, dos mergulhos que eu dava no mar, da sujeira que eu fazia com a farinha de trigo na cozinha de minha mãe aprendendo a fazer bolo e eu não queria deixar de fazer isso tudo. Mas um dia eu vou deixar.
E é por isso que eu sinto saudades de mim, daquela que eu fui lá atrás e daquela que eu serei antes de morrer, porque, quando a gente ainda está vivo, não dá importância a comer um feijão fresquinho, não presta atenção ao cheiro do sapato novo, não dá o devido valor ao calor do abraço, às vezes nem mesmo registra quantos litros de lágrimas já choramos ou quantos metros de dentes brancos já mostramos ao darmos gargalhadas. Simples assim.
E quando eu vejo alguém morrendo, eu acho que morro um pouco também, porque a gente não é só a gente, a gente vive na relação com o outro e se os mil outros que nos fazem perceber a vida, se alguns desses mil outros se vão, um pouco da gente vai também.
Eu sinto saudades do que eu ainda não fui, que é pra ver se ganho tempo. Tanta planta que eu ainda não plantei, tanto sangue que ainda não ajudei a estancar, tanto beijo que ainda preciso dar, netos que vão nascer, aquele tapete que eu bordo há mais de 15 anos...
Tanta coisa eu tenho pra começar, pra terminar, pra simplesmente deixar acontecer: matar as formigas que vivem atacando minhas roseiras; experimentar aquela receita nova que minha filha me deu, repetir exaustivamente, sem nunca conseguir fazer igual, aquela receita que minha mãe me passou e que só ela sabe preparar; ensinar a alguém as coisas que eu aprendi nas aulas de literatura, de vinho, de francês, principalmente o que aprendi com a vida.
Eu não tenho medo de morrer, eu tenho medo de não viver, Vitor Hugo já falou isso muito antes e muito melhor e eu não tenho o menor pudor em dizer de novo pois, quando a gente lê algo que nos marca profundamente, a gente acaba por internalizar as palavras, que vão se transformando em sentimento e aí a gente já não sabe bem quem pensou aquilo primeiro, nós ou o escritor. E também por isso eu choro, pelas saudades de tudo o que eu poderia ter dito e pelas coisas que, um dia, vou parar de dizer.
E talvez seja por tudo isso que eu vibro quando acordo de manhã e vejo que acordei de verdade, que não é um sonho ou uma visagem. É porque eu gosto de viver e, quanto mais viva eu estiver, menos saudades eu vou sentir de mim.
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
O PERIGO ESTÁ DENTRO
portas janelas telhados
forno armário entupimento
forno armário entupimento
o perigo não está fora
o perigo está dentro
blusa pinto cara suja
olho casa pensamento
o perigo não está fora
o perigo está dentro
boca bosque ribanceira
garganta ralo argumento
o perigo não está fora
o perigo está dentro
riso graça festa praça
o perigo não está fora
o perigo está dentro
boca bosque ribanceira
garganta ralo argumento
o perigo não está fora
o perigo está dentro
riso graça festa praça
veia osso atrevimento
o perigo não está fora
o perigo está dentro
dia noite amor e ódio
quarto escuro sentimento
quarto escuro sentimento
o perigo não está fora
o perigo está dentro
pálpebra bigode pentelho
útero bexiga excremento
útero bexiga excremento
o perigo não está fora
o perigo está dentro
nariz pescoço cotovelo
artéria boceta alimento
o perigo não está fora
o perigo está dentro
vento fogo mar e terra
mergulho e firmamento
o perigo não está fora
o perigo está dentro
jornal ipod fedor
dejeto informação comportamento
o perigo não está fora
o perigo está dentro
terça-feira, 4 de setembro de 2012
POR AÍ
Tinha uma mania estúpida, não no sentido comum da palavra, de comprar sapatos. Comprava-os às pencas, aos potes, às toneladas e, depois, deixava-os naquele altar que era a sua sapateira. Praticamente os adorava todos os dias; adorava, em todos os sentidos da palavra. Nunca a vi reclamar desse ou daquele par, mas percebia, vez por outra, que havia os seus preferidos, da mesma forma como deixava no altar os calçados que a machucavam, esfolavam, apertavam ou que simplesmente não se comportavam de modo coerente quando estava com os pés dentro deles. Acontece que não conseguia se desfazer de nenhum e a coisa ia tomando um rumo difícil de se prever o ponto de chegada, no sentido pleno da palavra.
O problema é que tudo começou na infância e, tudo o que começa na infância, já está provado, deixa marcas profundas, no sentido problemático da palavra. Aquelas histórias que a avó e as tias velhas contavam detonou a tara, no sentido psicológico da palavra. Contos de fadas tem lá suas raízes e seus efeitos, às vezes, nocivos.
Aquela história de procurar a cara metade através da busca do príncipe pela moça, cujo pé coubesse no sapatinho de cristal, era a sua preferida. Sonhava com o dia em que o príncipe a encontraria e sonhava, sonhava, sonhava... no sentido impossível da palavra.
Passada a infância e a adolescência, veio a compulsividade pela compra dos sapatos. Veio o prazer em possuí-los. Veio a eterna insatisfação. Nem o príncipe apareceu, nem os sapatos tem serventia. E não falo de outra a não ser aquela para a qual foram confeccionados: calçar as pessoas e proteger os seus pés. Continua a dar passos em falso. No sobe e desce da vida, perde os sapatos pelas escadarias e esquinas, no sentido literal e no sentido infeliz das palavras.
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
CONJUNÇÃO
Viemos de caminhares distintos
Dois corpos muito famintos
Memórias num labirinto
E uma vontade audaz
Nos olhos uma luz ligeira
No ventre uma aflição faceira
E a dúvida derradeira
De quem não sabe o que faz
Disseste dos teus sentidos
De uns segredos tão antigos
Sentimentos reprimidos
Senões que ficaram pra trás
Trouxeste uma alegria
À minha carne vadia
Deliciosa disritmia...
Excitação mordaz
Naquele instante preciso
Meu santo corpo indeciso
Súbito se abriu num sorriso
Pra receber tua paz.
Dois corpos muito famintos
Memórias num labirinto
E uma vontade audaz
Nos olhos uma luz ligeira
No ventre uma aflição faceira
E a dúvida derradeira
De quem não sabe o que faz
Disseste dos teus sentidos
De uns segredos tão antigos
Sentimentos reprimidos
Senões que ficaram pra trás
Trouxeste uma alegria
À minha carne vadia
Deliciosa disritmia...
Excitação mordaz
Naquele instante preciso
Meu santo corpo indeciso
Súbito se abriu num sorriso
Pra receber tua paz.
terça-feira, 7 de agosto de 2012
O GUARDIÃO
- Onde está o guardião?
- Deveria está aqui? Saiu.
- Como saiu? Sua função é guardar, ele precisa estar aqui.
- Mas não está mais. Ficou décadas espiando esse mar calmo, essa praia vazia, até que ele mesmo se esvaziou de sentido. Foi embora.
- E agora? O que eu faço? Custei tanto a chegar aqui.
- Como assim? O que você quer?
- Eu queria o guardião.
- Mas ele não tinha o que fazer aqui, cansou-se, morreu, ficou velho, sei lá, sumiu.
- E você? É o novo guardião?
- Não, estou aqui por acaso.
- E agora? O que eu faço? As coisas não podem ficar fora de lugar. O lugar do guardião é aqui.
- Mas as coisas por aqui estão onde sempre estiveram e o lugar do guardião é onde houver coisas para ele guardar. Aqui nada mais há para guardar.
- Pois é, mas haveria, se o guardião estivesse por aqui.
- Há décadas o mar é esse, sem ondas, sem vento, sem correnteza.
- Isso não impede que alguém pudesse se afogar.
- Há décadas essa praia é vazia, não há vida humana nessas areias.
- O que também não impede que elas sejam quentes e possam queimar os pés e os corações dos suicidas.
- Havia o guardião nessa cabana improvisada, que acabou se revelando sem sentido. Mas também acabou. Não há mais. Nada na vida é definitivo.
- E você? O que faz aqui?
- Estou aqui por acaso. Faça de contas que não estou. Aliás, você está me atrapalhando.
- Está vendo? Se o guardião estivesse aqui, ele te guardaria de mim.
- Se quiser, senta aí. Pára e andar pra lá e pra cá porque isso me atrapalha.
- Atrapalha o que? Você não está fazendo nada mesmo.
- Atrapalha o meu treinamento para não ser.
- Você também?
- Também o que?
- Também quer sumir?
- Não... não sei, ainda não cheguei a essa parte do pensamento...
- E agora, o que eu faço? Ninguém poderá me salvar. Há décadas busco este lugar e agora... não posso desistir...o guardião me salvaria... como posso me livrar de mim?
- De onde você veio?
- De longe, de muito tempo.
- Por que escolheu aqui para sumir?
- Não escolhi, eu vim. Vim porque esperava que o guardião me guardaria de mim.
- Mas ele não está mais aqui.
- E o que eu faço? Metade da minha vida já se foi.
- Faça o caminho de volta e conclua o seu ciclo.
- E se eu me perder dos meus objetivos?
- Então é porque o guardião te guardou. Volte. Sempre há essa possibilidade.
terça-feira, 24 de julho de 2012
RESENHA - "Além dos sonetos breves", Igor Dias, Editora Oito e Meio.
Tem muito mais poesia além dos sonetos breves. Igor Dias, em sua estreia como poeta, apresenta um livro vigoroso, repleto de belas metáforas e trabalho intenso de linguagem que merece uma leitura atenta e cuidadosa.
A primeira parte do livro, “Além”, é composta de cinquenta e cinco poemas inquietantes, questionadores e prenhes de dúvidas existenciais e de perplexidade diante das coisas da vida. São versos que embaralham sentimentos, buscam descortinar alguns dos clássicos mistérios de nossa existência e apontam momentos em que o eu lírico do autor constata a religação entre sagrado e profano como única forma de transcendência: “ Eu rezo tão alto quanto eu gemo” . Ao mesmo tempo, e talvez por isso, acabe por (re)conhecer as interdições que impedem o crescimento e o aperfeiçoamento do homem no seu sentido filosófico, a partir da simples constatação dos limites individuais, como em “apenas fita o cigarro que, nunca inteiro, Já nasceu pra sempre guimba”.
Na segunda parte, “Dos Sonetos”, utiliza uma forma clássica para um conteúdo que passeia por sentimentos particulares: “É que não sei se sinto ou se senti/o que eu sinto agora, e com essa força,/reconsidero que ainda me arrependa/do que eu não investi certo, mas torça/pra que essa minha vontade estupenda/faça que eu veja mais o que perdi”, num jogo de rimas bastante interessante e que refletem o trabalho do escritor inquieto e inconformado que faz da poesia sua fuga – ou seu encontro consigo mesmo.
Para finalizar, o jovem autor apresenta em “Breves”, ora de forma angustiada, ora de maneira lúdica, frases de efeito e poemas curtos, que apontam a preocupação com o fazer literário como molde para a vida: “opto ser inteiro/volto a ser literário”, entre outras questões abordadas nos outros poemas, como desejo, amor, saudades...
Além dos Sonetos Breves, lançamento da Editora Oito e Meio, 131 páginas, uma leitura inquietante e recomendada, que marca a presença de Igor Dias no cenário literário carioca, um universo literário que cumpre muito mais do que promete em seu título.
Por: Maria Emilia Algebaile
sexta-feira, 20 de julho de 2012
MENINAS
De saias tao fartas
E horizontes distantes
Alegria nas pernas
E silêncios gritantes
São as meninas e suas danças
No vai e vem dos caminhos
São as meninas e suas tranças
Sempre de volta pro ninho
Num círculo virtuoso
Risos de moça e criança
São as meninas bailando
A nos encher de lembrança
Brincadeira ou coisa séria
Mais tarde se saberá
Que as meninas quando brincam
Estão de fato a zombar
Da vida que não conhecem
Da vida que vai chegar.
Rodopiando ligeiras
Como ligeira é a vida
Suas saias são bandeiras
De muitas terras perdidas
No embalo doce e leve
Da vida que vem e que vai
Vão-se as meninas pra sempre
E uma moça se aninha
No lugar da menina que sai
Tao lindas, diáfanas e belas
Seus pés não tocam o chão
Voam como borboletas
Momento de mutação
E ao vê-las assim bailando
Voltamos no tempo a cantar
Retomamos uma leveza
Há muito tempo perdida
Uma leveza da alma
Que dá sustentação à vida
Assim é o tempo que vem
Assim é o tempo que está
No rodopio do tempo
Ninguém há de duvidar
Somos todos belas meninas
Na vida a rodopiar...
E horizontes distantes
Alegria nas pernas
E silêncios gritantes
São as meninas e suas danças
No vai e vem dos caminhos
São as meninas e suas tranças
Sempre de volta pro ninho
Num círculo virtuoso
Risos de moça e criança
São as meninas bailando
A nos encher de lembrança
Brincadeira ou coisa séria
Mais tarde se saberá
Que as meninas quando brincam
Estão de fato a zombar
Da vida que não conhecem
Da vida que vai chegar.
Rodopiando ligeiras
Como ligeira é a vida
Suas saias são bandeiras
De muitas terras perdidas
No embalo doce e leve
Da vida que vem e que vai
Vão-se as meninas pra sempre
E uma moça se aninha
No lugar da menina que sai
Tao lindas, diáfanas e belas
Seus pés não tocam o chão
Voam como borboletas
Momento de mutação
E ao vê-las assim bailando
Voltamos no tempo a cantar
Retomamos uma leveza
Há muito tempo perdida
Uma leveza da alma
Que dá sustentação à vida
Assim é o tempo que vem
Assim é o tempo que está
No rodopio do tempo
Ninguém há de duvidar
Somos todos belas meninas
Na vida a rodopiar...
quarta-feira, 11 de julho de 2012
NA FLIP FOI ASSIM...
Na FLIP foi assim:
Ver a formação de uma nova geração de leitores e amantes das artes
....e curtir uma Cachaça Coqueiro, porque não sou de ferro!
terça-feira, 10 de julho de 2012
RISCO INTERIOR
Não ria
nem faça graça
não conte o que não viu
mesmo com festa na praça
sofro no meu covil
e o que passa em minha vida
como novela barata
não está ao alcance da vista
não acontece a troco de nada
por mais que me traia a noite
o dia nasce é verdade
e o entulho de meu pensamento
confirma que sou covarde
não sei o que vejo, mas sinto
que não posso controlar
o perigo me assusta
o perigo é sentimento
o perigo é esse amor
o perigo está ardendo
mil olhos me veem passar
mil janelas a me espreitar
basta um trejeito, um aceno
pra guiar o meu olhar
e meu olho não sabe nunca
se olha pra fora ou pra dentro
e meu olho salta aos olhos
buscando respostas no vento
meu outro olho me lembra
que o perigo está dentro.
não sei se espio escondido
por detrás daquele muro
não sei se sou espreitado
no mais íntimo ato impuro
sempre tem a luz do sol
chegando antes que eu entre
calando a frase na boca
matando o feto no ventre.
Foto e texto: Maria Emilia Algebale
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