quinta-feira, 31 de maio de 2012

Da série: "Fragmentos Biográficos da Artista Ainda Viva" (10) e (11)



Tudo são códigos; eu não lhe conheço, mas curto você, compartilho suas angústias, alegrias, aflições e babaquices; eu nunca lhe vi mas, quando penso em você, vejo alguém igualzinho àquela foto de cachorro que está no seu perfil; somos amigos. Que a virtualidade seja infinita enquanto dure. Ou até que a gente se delete.


***

Dos anos 70/80 tenho uma floresta inteira escrita. Guardo estes papéis todos dentro de um armário no meu quarto. Eles precisam de mim para se manterem conservados, assim como eu preciso deles para provar que existi.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Da série: "Fragmentos Biográficos da Artista Ainda Viva" (7)


Na minha casa não tinha telefone, o celular ainda não existia, assim como a internet. Então, eu ia até o armarinho da esquina pra telefonar pro meu namorado e não conseguia falar nada com ele porque todo o povo do bairro ficava prestando atenção. Então, a gente tinha que se encontrar pra poder conversar e beijar e... ainda bem que não existia o skype...

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Texto de Sergio Moreira para a Oficina Literária CCJF


Oficina Literária CCJF

Mensagem na garrafa:




Estou a procura de um amor que ame a natureza e deteste o trânsito das grandes cidades. Que esse amor queira viver comigo numa ilha deserta, para o resto de sua vida fazendo amor e tomando água de coco.
Favor mandar a resposta pela garrafa para: solitário da ilha”
 



   


Meu texto-resposta:

São 12h30min, Suzana está no final de sua caminhada diária, ou melhor, quase diária, pelo calçadão da Praia de Icaraí.
Enquanto caminha, pensa que já passou da hora de terminar o seu luto, mas imediatamente afirma, para si mesma, não conseguir.
Suzana foi casada por cinco anos, Claudio seu maridamor - como ela o chamava - morreu, de repente, num acidente de carro. Já se passaram três anos e Suzana sente a sua falta, na mesma intensidade de sempre.
Enquanto caminha, lembra, chora, ri, agradece, revolta-se, chora, ri do que viveu, e hoje, pela primeira vez, ri de si mesma; num misto de espanto e alegria, interrompe a caminhada no calçadão e vai até a beira da praia.
Resolve molhar seus pés, mas não sem antes se lembrar da poluição da Baía de Guanabara.
Caminha, bem lentamente, sentindo a água fria; olha pro Rio, pensa no Claudio, olha pros prédios, olha pro MAC, pensa numa reunião importante que terá amanha, olha pro mar escuro e vê brilhando uma garrafa boiando, mas uma vez lembra da poluição mas decide entra no mar, água pela cintura, e pega a garrafa.
Feliz como Suzana-Menina que ouvia estórias de garrafas contatas pelo seu avo paterno.
Abre a garrafa. E lê a mensagem:

 
“Estou a procura de um amor que ame a natureza e deteste o trânsito das grandes cidades. Que esse amor queira viver comigo numa ilha deserta, para o resto de sua vida fazendo amor e tomando água de coco.
Favor mandar a resposta pela garrafa para: solitário da ilha”


Decepciona-se com o que lê, logo ela uma mulher urbana, que ama Nova York, não suporta insetos - tem na sua mesinha de cabeceira um frasco de SPB Citronela - ama gente, festas e uma roda de samba.
Pega a mensagem, coloca de volta na garrafa e joga no mar, bem longe.
Pensa em Claudio com uma alegria imensa, a mesma alegria de quando estavam numa roda de samba.
Volta pra casa e resolve aceitar o convite que seu vizinho Paulo a fez - pela manhã quando ela saía para ao trabalho - para irem sambar na Lapa.

Sergio Moreira.

Sa série: "Fragmentos Biográficos da Artista Ainda Viva" (5) e (6)


O amor é uma via de mão dupla ou um verbo intransitivo? Certas leituras interferem no nosso modo de sentir e pensar? Pode um quadro, uma pintura, despertar demônios esquecidos dentro do peito? O que é que eu faço com o sentimento que transborda de mim e se esparrama pelo asfalto quente?



***


Tenho a impressão de que tudo já foi dito.
Nada tenho a acrescentar
ao vasto campo das palavras.
Todas as escolhas foram feitas.
Todas as combinações, testadas.
Todas as metáforas, expostas.




Texto: Maria Emilia Algebaile
Arte: Paulo de Resende

domingo, 27 de maio de 2012

Da série: "Fagmentos Biográficos da Artista Ainda Viva" (4)


O espelho me mostrava todos os defeitos que ninguém via. Quebrei o espelho e fiquei de castigo uma semana inteira. Meu castigo era ficar sentada numa cadeira fazendo nada, absolutamente nada, de 8 da manhã às 8 da noite. Não podia ler, conversar, ver TV, nada. Só saía da cadeira para ir ao banheiro e fazer as refeições. Hoje, quando me olho no espelho e vejo que tenho lordose, escoliose, penso que foi por causa do castigo. Maldito espelho!








Texto: Maria Emilia Algebaile
Arte: Paulo de Resende

sábado, 26 de maio de 2012

Da série: "Fragmentos Biográficos da Artista Ainda Viva" (3)


As paixões sempre me derrubavam. Não fui uma pessoa de gostar de alguém. Não, longe disso. Eu me apaixonava perdidamente e chorava uma noite inteira porque imaginava o que seria sofrer se fosse abandonada, se não fosse correspondida, sofria por antecipação e acho que, por isso, no dia seguinte, a paixão já havia passado. Aí, eu saía em busca e uma nova paixão.

Da série: "Fragmentos Biográficos da Artista Ainda Viva" (2)


(2) Menstruei no dia em que minha prima fazia um aninho. Ninguém me deu os parabéns, ninguém se importou comigo e eu lá me esvaindo em sangue e o povo cantando parabéns pra você. Eu morria de cólica. Todos doidos pra comerem o bolo confeitado. Que merda de festa! Odiei minha priminha mas, bem-feito, porque um dia ela menstruaria também. É nossa sina.


Texto: Maria Emilia Algebaile
Arte: Paulo de Resende

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Texto de Maria Aglae para a Oficina Literária realizada no CCJF


TEXTO MOTE
Rio 18/05/2012
Atenção: Você acaba de abrir esta garrafa-mensagem.  Você será co-responsábel para ajudar uma família, desconhecida, para tal siga estas orientações:

1)      Vá até o aeroporto Santos Dumont
2)      Pegue uma chave que se encontra atrás do busto do Santos Dumont
3)      Abra o guarda-volumes 27
4)      pegue um livro emprestado a um amigo
5)      Monte um CEP usando as letras de algumas palavras: -1ª letra da 1ª palavra do 1 paragráfo da pag. 10: ex: Beijou B=2; - a 2ª letra da 2ª palavra do 2º. Parágrafo, ex: desceu D= 4; a 3ª letra do 3º. Parágrafo da pág. 30.
Siga este raciocínio até chegar a um número com 8 algarismos. Aí está o CEP.
Usando o número de páginas do livro você terá o no. Da casa da família.
Usando o no.  da edição, terá o no. do apartamento. Caso não exista, procure o 1º. número adjacente.
Pegue tudo que se encontra no guarda-volumes.
Use apenas o necessário para colocar estas orientações em prática.
Quando entregar, entregue o livro junto. Diga que quem enviou foi um sonhador-louco-carioca que acredita no humano.
Despeça-se da família.
Assinado:  EU
(texto feito pelo Sérgio)

Texto criado a partir do texto mote

Rio 18/05/2012

Caro desconhecido,

Descobri o seu endereço no meio de seus textos criptografados na caixa de pertences do guarda-volume no. 27 no aeroporto.  O que foi um grande alívio, pois não consegui e nem mesmo tentei achar o endereço da família pelo método um tanto confuso que descreve em sua mensagem.
Devolvo os seus pertences por este sedex e carta. Serão mesmo seus?
Desculpe a intromissão: nas fotos aparece a tal família por você mencionada.
Qual deles é você?
O marido um tanto desajeitado atrás da esposa sorridente? O menino sempre à frente da família, muito seguro a encarar o expectador sem nenhum traço de timidez?
Ou a criança pequena a segurar a barra do vestido da mãe? (é a mãe mesmo?) A criança de olhar assustado...
Devolvo seus pertences, ou melhor, as fotos, certa de que devem ser ressarcidas à família que você indica.
No entanto, acredito que é você mesmo quem deve entregar .
Um pedido, agora meu:
-Entregue-se também.
Votos de felicidade!
(texto de Maria Aglae)

quinta-feira, 24 de maio de 2012

FRAGMENTOS BIOGRÁFICOS DA ARTISTA AINDA VIVA (1)


"Quando eu nasci, vi que o relógio marcava vinte e três horas e cinquenta e nove minutos e pensei, puxa, quase meia-noite! Fiquei com medo de que minha vida ficasse marcada por essa palavra. Eu não queria ser quase campeã, quase amada, quase feliz, quase viva. Por isso eu chorei, berrei bem alto e todos ficaram felizes porque eu era uma garotinha muito saudável."




Texto: Maria Emilia Algebaile
Arte: Paulo de Resende

terça-feira, 22 de maio de 2012

Texto de Shakti Leal produzido na oficina literária no CCJF

Oficina Literária – 18/5/2012 – CCJF – Centro Cultural da Justiça Federal
Shakti Leal


Acordei bem cedo naquela segunda-feira fria e chuvosa. Na verdade  não acordei, desisti de tentar dormir depois de ter lido teu e-mail. Fiquei em suspensão com o distanciamento sacramentado. Agora era oficial: você escolheu se afastar de mim. Não éramos mais melhores amigas, não choraríamos nem riríamos mais das coisas interessantes da vida.

Não sei se para você foi assim, derrepente esta decisão. Fiquei perdida em pensamentos,  confusa com as inúmeras possibilidades que nos trouxe até aqui. Em que momento o fio se rompeu? Em que momento, em que exato momento, a solidez da amizade virou água?

Fui à praia. No Arpoador. Como sempre íamos e nos divertíamos fazendo poses, inventando personagens, contando histórias, encontrando gente, sereinado no mar. É, lembrei que sereiávamos. Sereiar era muito bom!

Mas naquele dia a praia era fria, o mar era bravo, o céu era cinza, a areia era dura e a chuva caia. Caia impiedosamente sobre minha cabeça, embaçando meu olhar, mente e coração. Queria achar o que sentia. Imagens mentais se remexiam tão freneticamente que não conseguia achar o que sentia. 

Foi quando uma garrafa, expulsa pela ferocidade do mar, chutou meus pés e quase cai. Maldita garrafa! Peguei-a com raiva. Uma raiva que não era por ela. Era raiva de tudo. 

Num gesto firme e duro quis arremessá-la de volta ao mar (acho que era isso que queria fazer comigo mesma) mas não o fiz. Vi dentro dela uma mensagem e a curiosidade me paralisou. Sentada na areia, abri aquela garrafa e li a mensagem de sete linhas:

"Se fosse um inimigo... lutaria
Se fosse um desconhecido... ignoraria
Se fosse novo... ensinaria
Se fosse rebelde... o acalmaria
Se fosse qualquer outro... aguentaria
Mas você, meu amigo... dói... dói mais que tudo
Só me resta, então, sofrer... sofrer... e crescer" *

Só as duas últimas registrei. Todo meu eu registrou.
Senti meus olhos escorredo água salgada com gosto de ferro. Minhas lágrimas pareciam de sangue e transbordavam dor.
Dor. Era dor o sentimento que ficou no lugar da amizade que se foi.



* Mensagem da garrafa escrita por Andreia, na própria oficina literária coordenada por Maria Emilia Algebaile.

Texto de Luizete Pena, na Oficina Literária realizada no CCJF

Alegria na garrafa
Oficina Literária – 18/5/2012 – CCJF – Centro Cultural da Justiça Federal
Luizete Pena



Maria Luiza tinha vindo do subúrbio com a cabeça cheia de problemas. Copacabana foi a praia escolhida para passar o dia, na tentativa de esquecer o sufoco que a atormentava. A viagem de trem e metrô lotados era compensada com a beleza do mar, a paisagem, o colorido das barracas, o ir e vir das pessoas. Não chegava a ser um dia ensolarado, mas o barulho gostoso das ondas espantava as dores da alma, e a água salgada desmanchava as lágrimas que rolavam pelo rosto. Depois de alguns mergulhos, resolveu sentar diretamente na areia, queria sentir os grãos tocando seu corpo. Deitou, em seguida, sentindo a água ir e voltar devagarinho.
Numa dessas idas e vindas das ondas, algo duro esbarrou em seu pé direito, bem pertinho do calo que tanto a incomodava. Abriu os olhos e viu que se tratava de uma garrafa com uma mensagem. Imaginou que estivesse ficando louca, mas, com curiosidade de criança, acabou lendo o papel do vidro transparente.
A mensagem parecia vir de alguém muito especial, algum náufrago com uma vontade enorme de construir um mundo melhor. Dizia assim:
“Esta garrafa está repleta de alegria.  Abra.  Contamine-se  e jogue-a ao mar novamente.
Sou um náufrago.  Muito prazer.  Entre em contato comigo: 
A alegria de Maria Luiza era tanta que ela queria sair gritando pela praia, mas a vergonha de parecer ridícula foi maior. Acabou relendo o texto algumas vezes, lamentando não poder levar para mostrar pra todo mundo aquele “bilhete premiado”. Era preciso devolvê-lo ao mar, a mensagem dizia. Anotou num minúsculo papel o endereço eletrônico que estava no bilhete. Não tinha muita intimidade com o computador, mas sonhava em mandar um email para um náufrago que jamais o receberia, mas que precisava saber que ele foi capaz de mudar a sua vida, para sempre.


(*) mensagem da garrafa escrita por Vera Lucia, na própria oficina literária coordenada por Maria Emilia Algebaile.



segunda-feira, 14 de maio de 2012

FRATURA EXPOSTA



Estou só e me irmano
à legião de pessoas que se sentem,
nesse exato instante,
perdidas como eu.
É fácil bater a porta,
difícil é conviver com o silêncio interior
do apartamento, da consciência, do coração.
Fácil é fazer a mala.
Difícil é descobrir as roupas
que ficaram secando ao sol no varal improvisado de nossa janela.
Nossa vida teria sido uma improvisação
que nunca chegou a se realizar?
Ou se materializou dessa forma tosca
e não percebi a hora do ponto final?
Parla! Diria eu diante da situação, mas você não reagiria.
Como sempre,
Sua preferência recai
Sobre a ausência de palavras
para definir a ausência de sentido
em continuarmos a compartilhar a cama, a mesa, o varal de roupas.
Fácil é virar a esquina e se apaixonar.
Difícil é ser o que fica na rua parado,
sem coragem de ir atrás, como o cão que vê o dono sair
e opta por ficar sentado, quieto, sofrendo, por medo de ser escorraçado.
O interior do quarto não diz muito de nós dois.
O que se expõe agora,
da mesma forma acintosa como os beijos de antigamente,
é tua roupa enforcada no varal e abandonada, sol a sol, por horas, dias, meses.
Um cadáver a quem nem mesmo os abutres de plantão ousam bicar.
O tempo, a chuva, o frio e o calor darão conta dessa chaga.
Balança ao vento
uma fratura exposta aos olhos de quem já presenciou tantos carinhos,
uma solidão imposta a quem já compartilhou tantos caminhos,
uma falta de vontade de viver.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

AMOR DE ALCINTRAS


                                                                                        Foto e texto: Maria Emilia Algebaile

Se um bemol me dissesse,
Se um alguém me zefrinasse
Que viveria um amor
Gripo e sem estreveche,
Eu jamais resistiria
Aos cromúncios de soleta
Com asas de borboleta
E sustentes sem pesar.
Eu juro que ostrepteria
Quando visse as longas vagas,
Todos os dias de todas as semanas,
A me destrelagar,
Com modos  tão tromintanos,
Que perderia o ar e o tino
E te bruxicaria, menino,
Cuidando d o amor num tonfá.
E, enquanto esse amor não esvirina,
Fico aqui tão zostirina,
Fazendo rolos de estrelas,
Esperando esse amor chegar.


segunda-feira, 7 de maio de 2012

ESSA MULHER



ESSA MULHER

Essa mulher, quando acorda,
Abre as janelas pro mar
E a brisa leve que entra
Dá vontade de sonhar
Eu mergulho em devaneios
Meus olhos, tantos anseios,
Cabelos revoltos me envolvem
São ondas a me afogar.
Essa mulher, quando acorda,
Tem o corpo saliente
E me acolhe em seios quentes
Me faz esquecer das gentes
Me leva a imaginar.
E sonho sonhos profundos
Exploro  o melhor dos mundos
Deixo o navio zarpar...
Essa mulher, quando acorda,
Me faz homem de verdade,
Ultrapassa  a realidade
Manda o tempo estancar.
Essa mulher, quando acorda,
Acalenta a natureza,
É cantiga de ninar.
Essa mulher, quando acorda,
Faz minha vida despertar.

Poema e foto: Maria Emilia Algebaile

sábado, 5 de maio de 2012

COISAS DO BAÚ (1)


CARTA AO MEU AMOR



Aproxima-se a hora de meu amado pisar novamente este chão.
De repente,
o solo do maravilhoso deixará de ser sua morada
e ele me chegará
com a barba por fazer,
a roupa suada
e aqueles olhos que se desencantam
na mesma intensidade e freqüência
com que pesquisam tudo ao seu redor;
então, o olharei meio penalizada
mas ainda cheia de desejo
por seu corpo salgado (que nunca sei se de suor ou mar);
esboçarei uma palavra
e sufocarei para sempre o imaginário.

Nosso amor será mais um acontecimento banal
num jornal de ontem.

(o mistério do fundo dos grandes oceanos
salga a carne, apura os sentimentos.
A transpiração é o resultado
do ritmo das marés e das ondas
que sempre trazem à tona
os segredos mergulhados nos abismos do mar.
Ainda que tarde,
a escuridão abissal, um dia,
encontra-se com a luz do sol.
E arde. Ainda que tarde.)


Não venha meu amor!
Nossa vida não comportaria
o acordar-trabalhar-consumir.
Não suportaria deixar de lhe dar
nuvens, espumas e vaga-lumes
para enfeitar nosso leito.
Não poderia abrir mão
de buscar estrelas que iluminassem
nossas pequenas mortes pelas madrugadas ,
nem de um punhal reluzente
para sangrar-nos à meia noite.
Não venha

Nosso amor é dois mil quilômetros de distância.
É a respiração presa do soldado na guerra.
É uma viagem de avião sem aterrissagem.
Um encontro escondido num bar vazio
à beira de uma lagoa deserta.

Não podemos nos amar café com pão,
deitados numa cama,
compromissos comuns na agenda.
Isso é pouco para o nosso amor.

(A lava dos vulcões
é o orgasmo dos grandes amantes.
A essência do amor não cabe no corpo,
é expulsa concreta e prazerosamente.
Às vezes, cria. Às vezes, mata.).

A garantia do nosso amor
é o modo essencial de ser.
Eu me mordo de desejo
e choro de saudades
do homem que é meu só porque distante.
Você se encaixa e se excita
com a lembrança infiel
da mulher que não vê, mas sente.
(A mulher recriada por nosso novo Deus,
no paraíso infernal do sonho,
mulher pela qual se apaixonou.)

Ao nos depararmos um com o outro,
quanto de cada um
corresponderá à imagem recriada pelo outro?
E quanto do outro
preencherá o espaço reconstruído por cada um?

Como os grandes heróis épicos,
transitamos entre o real e o imaginário.
Apenas, nossa realidade é virtual
e nosso imaginário, tão comprometido...

Enquanto penso,
o insensato relógio do tempo
teima em nos aproximar.
Não venha!

E assim pensando e sentindo
não percebo aumentar a distância
que nos liberta das correntes da história.
Não venha!

Para sermos um,
é preciso manter distantes os corpos;
é preciso manter aceso o fogo;
é preciso buscar, fugindo;
e nos encontraremos sempre
em cada brisa ou tapa que tocar nosso rosto,
em cada beijo que molhar nossas bocas,
em cada música, gemido ou choro que se escutar de longe,
em cada grito,
      cada olhar,
      cada adeus.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

ESSE OLHO QUE ME OLHA POR DENTRO


                                                              Foto: Pilar Domingo

Esse olho que me olha por dentro
Enfraquece-me as pernas
Bamboleia a razão
Zomba da minha pretensa santidade.
Esse olho que me olha por dentro
Lança trevas sobre meu  caminho
Abre clareiras em minhas boas intenções
E não me redime do pecado original.
Esse olho que me olha por dentro
Mostra-me os vermes e as tripas cheias
Benze-me com luz e me envolve em teias
Queima-me as estranhas entranhas que guardo.

Não é Deus nem o Diabo
É humano e maldito
Esse olho que me olha por dentro.


Texto: Maria Emilia Algebaile
Foto: Pilar Domingo

Poema do blog canetalentepincel.bogspot.com, postado em 13/04/2012