terça-feira, 24 de julho de 2012

RESENHA - "Além dos sonetos breves", Igor Dias, Editora Oito e Meio.






Tem muito mais poesia além dos sonetos breves. Igor Dias, em sua estreia como poeta, apresenta um livro vigoroso, repleto de belas metáforas e trabalho intenso de linguagem que merece uma leitura atenta e cuidadosa.
A primeira parte do livro, “Além”, é composta de cinquenta e cinco poemas inquietantes, questionadores e prenhes de dúvidas existenciais e de perplexidade diante das coisas da vida. São versos que embaralham sentimentos, buscam descortinar alguns dos clássicos mistérios de nossa existência e apontam momentos em que o eu lírico do autor constata a religação entre sagrado e profano como única forma de transcendência: “ Eu rezo tão alto quanto eu gemo” . Ao mesmo tempo, e talvez por isso, acabe por (re)conhecer as interdições que impedem o crescimento e o aperfeiçoamento do homem no seu sentido filosófico, a partir da simples constatação dos limites individuais, como em “apenas fita o cigarro que, nunca inteiro, Já nasceu pra sempre guimba”.
Na segunda parte, “Dos Sonetos”, utiliza uma forma clássica para um conteúdo que passeia por sentimentos particulares: “É que não sei se sinto ou se senti/o que eu sinto agora, e com essa força,/reconsidero que ainda me arrependa/do que eu não investi certo, mas torça/pra que essa minha vontade estupenda/faça que eu veja mais o que perdi”, num jogo de rimas bastante interessante e que refletem o trabalho do escritor inquieto e inconformado que faz da poesia sua fuga – ou seu encontro consigo mesmo.
Para finalizar, o jovem autor apresenta em “Breves”, ora de forma angustiada, ora de maneira lúdica, frases de efeito e poemas curtos, que apontam a preocupação com o fazer literário como molde para a vida: “opto ser inteiro/volto a ser literário”, entre outras questões abordadas nos outros poemas, como desejo, amor, saudades...
Além dos Sonetos Breves, lançamento da Editora Oito e Meio, 131 páginas, uma leitura inquietante e recomendada, que marca a presença de Igor Dias no cenário literário carioca, um universo literário que cumpre muito mais do que promete em seu título.

Por: Maria Emilia Algebaile

sexta-feira, 20 de julho de 2012

MENINAS

De saias tao fartas
E horizontes distantes
Alegria nas pernas
E silêncios gritantes

São as meninas e suas danças
No vai e vem dos caminhos
São as meninas e suas tranças
Sempre de volta pro ninho

Num círculo virtuoso
Risos de moça e criança
São as meninas bailando
A nos encher de lembrança

Brincadeira ou coisa séria
Mais tarde se saberá
Que as meninas quando brincam
Estão de fato a zombar
Da vida que não conhecem
Da vida que vai chegar.

Rodopiando ligeiras
Como ligeira é a vida
Suas saias são bandeiras
De muitas terras perdidas

No embalo doce e leve
Da vida que vem e que vai
Vão-se as meninas pra sempre
E uma moça se aninha
No lugar da menina que sai

Tao lindas, diáfanas e belas
Seus pés não tocam o chão
Voam como borboletas
Momento de mutação

E ao vê-las assim bailando
Voltamos no tempo a cantar
Retomamos uma leveza
Há muito tempo perdida
Uma leveza da alma
Que dá sustentação à vida

Assim é o tempo que vem
Assim é o tempo que está
No rodopio do tempo
Ninguém há de duvidar
Somos todos belas meninas
Na vida a rodopiar...

quarta-feira, 11 de julho de 2012

NA FLIP FOI ASSIM...

Na FLIP foi assim: 


 Um afago no Ferreira Gullar

Um segredinho com o Chico Buarque

Ver a formação de uma nova geração de leitores e amantes das artes

Flanar pela cidade de Paraty



....e curtir uma Cachaça Coqueiro, porque não sou de ferro!

terça-feira, 10 de julho de 2012

RISCO INTERIOR


Não ria
nem faça graça
não conte o que não viu
mesmo com festa na praça
sofro no meu covil
e o que passa em minha vida
como novela barata
não está ao alcance da vista
não acontece a troco de nada
por mais que me traia a noite
o dia nasce é verdade
e o entulho de meu pensamento
confirma que sou covarde
não sei o que vejo, mas sinto
que não posso controlar
o perigo me assusta
o perigo é sentimento
o perigo é esse amor
o perigo está ardendo
mil olhos me veem passar
mil janelas a me espreitar
basta um trejeito, um aceno
pra guiar o meu olhar
e meu olho não sabe nunca
se olha pra fora ou pra dentro
e meu olho salta aos olhos
buscando respostas no vento
meu outro olho me lembra
que o perigo está dentro.
não sei se espio escondido
por detrás daquele muro
não sei se sou espreitado
no mais íntimo ato impuro
sempre tem a luz do sol
chegando antes que eu entre
calando a frase na boca
matando o feto no ventre.

Foto e texto: Maria Emilia Algebale

segunda-feira, 9 de julho de 2012

NASCIMENTO

Acorrentado a lembranças,
Interditado a mim mesmo,
Incompleto por natureza,
Seguia escondido na vida
Por medo de não viver.

Até que, sem conhecer-me,
Alguém me olhou nos olhos
Como se espelhos fossem
E me apertou contra o peito
E me embaralhou as pernas
Trazendo-me de volta o querer.

Por desconhecer-me tanto,
quis que eu me acreditasse
Fez com que eu me recriasse
E com profundidade e leveza
Libertou-me e me fez ser.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

ZORBA, O CARIOCA


Tinha ódio daquilo, ódio! Toda vez que se apresentava, “muito prazer, Zorba”, vinha logo a pergunta: o grego? “Não, o carioca.” Tinha o nome do pai, quer dizer, tinha o nome que a mãe pensava ser o nome do pai.
A mãe não se lembrava direito do rosto do camarada. Muitos clientes, todos parecidos, porque homem é tudo igual, enfim, mas sabia direitinho que um deles tinha esquecido a cueca no seu quartinho. E na cueca estava escrito o seu nome: ZORBA. Na época, ela era mesmo muito ignorante e achava que o marmanjo devia ter uma mãe zelosa que escrevia o nome dele nas roupas de baixo para que ele não as perdesse, para que não se misturasse às outras roupas, como os alunos do colégio interno... coitada dela e coitado de mim, que tenho que carregar esse nome pela vida a fora. E o pior, é que o pai devia ser um carioca daqueles que foram pro interior para brincar de profissional num desses projetos tão interessantes dos anos 70.
Pelo que a mãe contava, a cidade onde morava ficava em lugar nenhum, nem tinha no mapa, mas era bonita de chorar! Tinha uma praia de areia branca, pescadores, catadores de coco e uma pobreza desgraçada.
Família grande, muito filho pra criar, o pai dela, meu avô, aquele filho da puta, inaugurou todas as filhas e colocou todas elas pra arrumar um dinheirinho pra ajudar na despesa da casa. Algumas, as mais velhas, ele conseguiu vender. A primeira casou com um caminhoneiro, a segunda foi ser amásia de um político da região e as que sobraram, ele colocou na vida. O velho não fez filho homem. Acho que, por raiva, virou cafetão das próprias filhas.
Minha mãe era a caçula e, na época do desbunde, era bem mocinha, corpo rijo, coxas grossas, cabelos compridos e dois olhos negros enormes que conquistavam todos os caras do vilarejo e os visitantes também. 
Um dia, apareceu um sujeito do Rio de Janeiro que ela gostou muito. Era cliente assíduo, mas ela começou a dar pra ele escondido do meu avô porque gostou do cachorroe foi esse que deixou a cueca no quartinho de minha mãe no dia em que meu avô descobriu o que vinha acontecendo há algum tempo.
Minha mãe tomou uma surra, o carioca fugiu da vila e tudo voltou a ser como sempre. Mas aí minha mãe começou a enjoar, desmaiar e o bucho se pôs a crescer. Foi então que meu avô decretou sua expulsão de casa, “pra não envergonhar a família”. Pode uma desgraça dessa ter feito isso com minha mãe? Aquilo não era gente, meu avô era um troço, uma coisa, sei lá o que.
Ela juntou as coisinhas dela e, de carona em carona, com a cueca do meu pai na bolsa, acabou chegando ao Rio de Janeiro, onde eu nasci, ali pras bandas da Praça da Bandeira. Ela morreu quando eu ainda nem “fazia cosquinha”, segundo as amigas dela, que me criaram e que me ensinaram a me virar na vida protegendo a elas e as outras meninas que foram chegando de todo canto do país.
Hoje sou um cara de respeito, que soube aproveitar a experiência e expandiu os negócios da família. Herdei o nome do meu pai, tomo conta das moças que se dedicam ao mesmo ofício de minha mãe e tenho a mesma profissão de meu avô. Um sucesso!

domingo, 1 de julho de 2012

MEU NOME É CAROLINA



Meu nome é Carolina. Eu detesto o meu nome. Não sei o que se passou no cérebro dos meus pais quando decidiram me nomear desse jeito. Eu e mais trezentos e setenta e oito mil garotas do Brasil nascemos com essa marca: CAROLINA. Odeio coisa comum, gosto do diferente, do excêntrico.
Meu Jesuzinho Cristinho, pra ser bem carola e fazer jus ao meu nome, me diga onde andou a criatividade do povo daquela década? Só pode ter sido alguma novela, é isso, uma personagem de novela, talvez interpretada pela Regina Duarte, fez tanto sucesso que os pais tiveram que ceder aos apelos das mães, antes que o casal se separasse, e as crianças do sexo feminino foram batizadas com o nome de Carolina.
Mas isso é só um pormenor que passou por minha mente criativa e curiosa, tão curiosa que decidi me lançar a fazer uma pesquisa sobre a origem do meu nome. Pode não parecer, mas adoro essa coisa de pesquisa, menos do Ibope que, aliás, nunca me indagou nada. Pois bem, resolvi averiguar, já que minha mãe e meu pai não me dão nenhuma explicação razoável. Achar um nome “bonitinho” não pode ser suficiente para dar esse nome à própria filha.
Comecei pesquisando nas revistas que tem lá em casa e depois fui ampliando, pois tinha uma necessidade vital de descobrir mais e mais sobre o assunto. Queria fazer um mapeamento da situação. Então, fui pra biblioteca da minha escola, mas teve uma infiltração desprezível lá e eu só consegui passar os olhos em alguns livros, os mais fininhos, é claro, porque os mais grossos me dão um sono nefasto, além de estarem com cheiro de mofo e com as páginas rasgando. No segundo dia dessa tarefa hercúlea, veio a luz: o Google! Foi o que me salvou.
Nas minhas investigações, descobri coisas muito importantes, como uma música daquele coroa, o Chico Buarque, cujo nome era Carolina e que falava de uma coitadinha que tinha os olhos tristes e que devia ter o cotovelo todo escuro de tanto ficar na janela...acho que ela esperava a banda passar, não me lembro direito da história, só sei que o tempo passou na janela e Carolina não viu. Ah, e a banda também passou e, ao contrário do que ela pensava, a fanfarra não tocava pra ela. Agora, me digam, porque eu colocaria na minha filha um nome tão marcado para sofrer?
Uma das coisas bem legais dessa minha nova fase de vida, a fase de pesquisadora, é que descobri um monte de recursos de ajuda no computador. Você pode escrever qualquer palavra; aí, você coloca o mouse em cima do vocábulo (que você já repetiu mil vezes ou que, simplesmente, quer substituir por uma palavra mais chique) e clica com o lado direito: milagre! Aparece uma montoeira de sinônimos! Resolvi escrever todos com aquela letra inclinadinha, chamada itálica. Com isso, estou escrevendo bem pra burro, pareço até a minha tia que fez Mestrado e que fala diferente de todo mundo lá de casa, lá do bairro...quiçá do Brasil!
Navegando pelo Google, encontrei uma outra Carolina, amada pelo Machado de Assis, o bruxo do Cosme Velho. Eu pensei que ele fosse escritor, mas tá lá no Wikipédia: bruxo. Não deu tempo de eu ler tudo, mas fiquei com a nítida impressão de que, ou ela era uma bruxa também ou era um tipo assim de musa ao contrário. Digo isso, porque acho que musa é uma mulher que inspira o cara e os versos que ele escreveu pra ela eram muito, como diria, esquisitos, moribundos, ah, ininteligíveis. Imagina, fazer versos pra mulher morta! O tal do Machado ia declamar versos na cova da falecida, ora, me poupem! Só podia ser bruxaria mesmo! “Querida, ao pé do leito derradeiro/Em que descansas dessa longa vida,/Aqui venho e virei, pobre querida...” E seria essa mulher que teria inspirado meus queridos genitores? Inacreditável!
A gente podia trocar de nome com facilidade. Também já  pesquisei muito sobre o assunto e vi lá no Google que a filha da Baby Consuelo se chamava Riroca e alterou sua denominação para...Sarah Sheeva. Eu preferiria Riroca, tem mais sonoridade, mais humor, rimas mais interessantes, mas, enfim, o que importa é que ela trocou o nome. Eu só queria entender. Porque um nome único e com as qualidade acima mencionadas pode ser trocado por um outro, igualmente único, mas esquisito pra caramba etc e tal e eu não posso trocar o meu nome comum, que só tem história triste por um outro mais condizente com a minha personalidade?
Conta a história que, na América do Norte, terra de gente inteligente e rica, tem um lugar chamado Carolina do Sul e outro chamado Carolina do Norte. Fui ao Google Maps e vi, existe mesmo. O Wikipédia diz que, anteriormente, era tudo uma coisa só: uma colônia chamada Carolina, em homenagem ao Rei Carlos II, da Inglaterra. Curioso é que, se fosse eu, iria homenagear um cara poderoso da América do Norte, fala sério! Da Inglaterra só conheço mesmo é o Harry, o único príncipe disponível no mundo.
Fico imaginando, o dia em que nasci, o corredor do hospital com aquelas plaquinhas com os nomes dos bebês: Carolina-carolina-carolina-carolina...deve ter sido hilário. E fico arquitetando que nome vou colocar na minha filha, quando eu tiver uma. E, pior, fico idealizando minha lápide: “Aqui jazz Carolina”..vai ter tanto jazz Carolina no cemitério que aquilo vai virar um show!
Acho que vou preferir ser cremada.


Este texto fez parte da Exposição Caneta, Lente e Pincel - Centro Cultural Justiça Federal - RJ Abr/Mai 2012