quinta-feira, 23 de agosto de 2012

CONJUNÇÃO

Viemos de caminhares distintos
Dois corpos muito famintos
Memórias num labirinto
E uma vontade audaz

Nos olhos uma luz ligeira
No ventre uma aflição faceira
E a dúvida derradeira
De quem não sabe o que faz

Disseste dos teus sentidos
De uns segredos tão antigos
Sentimentos reprimidos
Senões que ficaram pra trás

Trouxeste uma alegria
À minha carne vadia
Deliciosa disritmia...
Excitação mordaz

Naquele instante preciso 
Meu santo corpo indeciso
Súbito se abriu num sorriso
Pra receber tua paz.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

O GUARDIÃO

 Onde está o guardião?
- Deveria está aqui? Saiu.
- Como saiu? Sua função é guardar, ele precisa estar aqui.
- Mas não está mais. Ficou décadas espiando esse mar calmo, essa praia vazia, até que ele mesmo se esvaziou de sentido. Foi embora.
- E agora? O que eu faço? Custei tanto a chegar aqui.
- Como assim? O que você quer?
- Eu queria o guardião.
- Mas ele não tinha o que fazer aqui, cansou-se, morreu, ficou velho, sei lá, sumiu.
- E você? É o novo guardião?
- Não, estou aqui por acaso.
- E agora? O que eu faço? As coisas não podem ficar fora de lugar. O lugar do guardião é aqui.
- Mas as coisas por aqui estão onde sempre estiveram e o lugar do guardião é onde houver coisas para ele guardar. Aqui nada mais há para guardar.
- Pois é, mas haveria, se o guardião estivesse por aqui.
- Há décadas o mar é esse, sem ondas, sem vento, sem correnteza.
- Isso não impede que alguém pudesse se afogar.
- Há décadas essa praia é vazia, não há vida humana nessas areias.
- O que também não impede que elas sejam quentes e possam queimar os pés e os corações dos suicidas.
- Havia o guardião nessa cabana improvisada, que acabou se revelando sem sentido. Mas também acabou. Não há mais. Nada na vida é definitivo.
- E você? O que faz aqui?
- Estou aqui por acaso. Faça de contas que não estou. Aliás, você está me atrapalhando.
- Está vendo? Se o guardião estivesse aqui, ele te guardaria de mim.
- Se quiser, senta aí. Pára e andar pra lá e pra cá porque isso me atrapalha.
- Atrapalha o que? Você não está fazendo nada mesmo.
- Atrapalha o meu treinamento para não ser.
- Você também?
- Também o que?
- Também quer sumir?
- Não... não sei, ainda não cheguei a essa parte do pensamento...
- E agora, o que eu faço? Ninguém poderá me salvar. Há décadas busco este lugar e agora... não posso desistir...o guardião me salvaria... como posso me livrar de mim?
- De onde você veio?
- De longe, de muito tempo.
- Por que escolheu aqui para sumir?
- Não escolhi, eu vim. Vim porque esperava que o guardião me guardaria de mim.
- Mas ele não está mais aqui.
- E o que eu faço? Metade da minha vida já se foi.
- Faça o caminho de volta e conclua o seu ciclo.
- E se eu me perder dos meus objetivos?
- Então é porque o guardião te guardou. Volte. Sempre há essa possibilidade.