segunda-feira, 1 de outubro de 2012

SAUDADES DE MIM




Quando vejo alguém morrendo, me dá saudades de mim e acho que é por isso que eu choro. Eu me lembro de tudo que já vivi, tudo que já sonhei e percebo que, um dia, eu também vou morrer e talvez não dê tempo de fazer tudo o que eu desejo nem de sonhar coisas para o futuro.
Eu penso que, quando me olhava no espelho, eu via uma cara que eu não vejo mais... mas, ao mesmo tempo, o meu olhar me diz que aquela lá dentro ainda sou eu e tenho medo de que um dia eu deixe de ser.
Eu me recordo dos banhos de chuva que tomei, dos mergulhos que eu dava no mar, da sujeira que eu fazia com a farinha de trigo na cozinha de minha mãe aprendendo a fazer bolo e eu não queria deixar de fazer isso tudo. Mas um dia eu vou deixar.
E é por isso que eu sinto saudades de mim, daquela que eu fui lá atrás e daquela que eu serei antes de morrer, porque, quando a gente ainda está vivo, não dá importância a comer um feijão fresquinho, não presta atenção ao cheiro do sapato novo, não dá o devido valor ao calor do abraço, às vezes nem mesmo registra quantos litros de lágrimas já choramos ou quantos metros de dentes brancos já mostramos ao darmos gargalhadas. Simples assim.
E quando eu vejo alguém morrendo, eu acho que morro um pouco também, porque a gente não é só a gente, a gente vive na relação com o outro e se os mil outros que nos fazem perceber a vida, se alguns desses mil outros se vão, um pouco da gente vai também.
Eu sinto saudades do que eu ainda não fui, que é pra ver se ganho tempo. Tanta planta que eu ainda não plantei, tanto sangue que ainda não ajudei a estancar, tanto beijo que ainda preciso dar, netos que vão nascer, aquele tapete que eu bordo há mais de 15 anos...
Tanta coisa eu tenho pra começar, pra terminar, pra simplesmente deixar acontecer: matar as formigas que vivem atacando minhas roseiras; experimentar aquela receita nova que minha filha me deu, repetir exaustivamente, sem nunca conseguir fazer igual, aquela receita que minha mãe me passou e que só ela sabe preparar; ensinar a alguém as coisas que eu aprendi nas aulas de literatura, de vinho, de francês, principalmente o que aprendi com a vida.
Eu não tenho medo de morrer, eu tenho medo de não viver, Vitor Hugo já falou isso muito antes e muito melhor e eu não tenho o menor pudor em dizer de novo pois, quando a gente lê algo que nos marca profundamente, a gente acaba por internalizar as palavras, que vão se transformando em sentimento e aí a gente já não sabe bem quem pensou aquilo primeiro, nós ou o escritor. E também por isso eu choro, pelas saudades de tudo o que eu poderia ter dito e pelas coisas que, um dia, vou parar de dizer.
E talvez seja por tudo isso que eu vibro quando acordo de manhã e vejo que acordei de verdade, que não é um sonho ou uma visagem. É porque eu gosto de viver e, quanto mais viva eu estiver, menos saudades eu vou sentir de mim.