terça-feira, 25 de março de 2014

TAL E QUAL


Tal qual lua cheia mirando-se em meu lago

Penso no que já vivi

E rendo-me satisfeita à vida que tenho

Que tudo é doce se não for amargo

Que tudo é simples se não tiver complicadores

Que uma lua brilhando

É o mesmo que criança sorrindo

Mãe cantando

Rio correndo

Sapo pulando


E borboleta enchendo a vida de cores.

terça-feira, 18 de março de 2014

PORTÃO


Voltar é um estado de espírito

Rever é um estalo no coração

Quando se tem impressões

Há o medo

Recordação ou memória

Revelação da história

A porta aberta nem sempre é passagem

O musgo nem sempre encobre

O passo à frente nem sempre é emoção

Quedo-me parada, sofrendo, em frente ao portão.


Maria Emilia Algebaile

quinta-feira, 6 de março de 2014

LETRAS BRASILEIRAS CRÍTICA

Exercícios de 2013
Como se movimenta a prosa recente
BEATRIZ RESENDERESUMO A aposta na desestabilização das narrativas, fruto do esgotamento do modelo do romance, é uma tendência da literatura brasileira recente. Mescla de gêneros, tramas fragmentadas, intervenções formais e gráficas, mais comuns nas artes plásticas que nos livros, são recorrentes nas ficções mais significativas.
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A participação do Brasil como homenageado da Feira Literária de Frankfurt, em 2013, fez com que a mídia se ocupasse de autores contemporâneos, das diversas formas de divulgar a cultura brasileira no exterior, dos financiamentos à cultura e da política do livro praticada pelo Estado. As repercussões do evento, que reuniu contingente considerável de escritores e pessoas ligadas ao mundo das letras, com acertos e erros que atravessaram três diferentes gestões do Ministério da Cultura, deram publicidade especial ao mundo do livro.
Além disso, porém, o evento evidenciou a necessidade quase desesperada, por parte de editores e escritores, de conquistar um mercado externo, em função da debilidade do mercado editorial interno. A venda de direitos em dólares ou euros, surgindo como forma imperiosa de sobrevivência econômica, tornou a questão bem mais importante que o debate sobre a difusão no exterior da literatura criada no Brasil.
Se por um lado nossa literatura -pelo aumento e pela pluralidade da produção, pela forte ruptura com formas desgastadas e conservadoras e com resquícios nacionalistas, regionalistas e similares- encontra-se em condições de buscar um público internacional, por outro é incômoda a necessidade da tradução como condição mesma de existência. Mais do que isso, surge o perigo de obras serem escritas ou publicadas já de olho em possíveis vendas para o exterior (ou, numa variante, com vistas a adaptações para cinema ou TV).
Não se confunda tal alerta com obscurantismo, busca por pureza ou medo do capital. O sucesso internacional de um autor é absolutamente benéfico para o conjunto da nossa literatura, mas não pode ser o objetivo primeiro.
TENDÊNCIAS Ao mapearmos a produção recente, importa, mais do que listar nomes de romancistas, identificar tendências. Evidentemente as propostas são concretizadas por autores e é inevitável que sejam citados -isso não deve significar que eles configuram algum tipo de cânone pessoal.
O romance-sintoma do panorama recente me parece ser "Reprodução" [Companhia das Letras, R$ 37, 168 págs., 2013], de Bernardo Carvalho. Digo sintoma no mesmo sentido em que "Esperando Godot", de Samuel Beckett, é sintoma da Europa do pós-Guerra.
Em "Reprodução", cuja ação se situa no não espaço de um aeroporto, falas sem marcação de diálogo reproduzem clichês veiculados pelas mídias sociais, pela comunicação de massa, por discursos preconceituosos e discriminatórios e pelas religiões. Pelo lado de fora circulam a corrupção, o autoritarismo e, sobretudo, a ignorância que recusa a imaginação. Um mundo que prescinde da literatura e por esta falta é enformado.
Quando se falava, com entusiasmo, da chamada geração 2000, ao mesmo tempo em que se apostava na renovação e no crescimento da literatura, partilhávamos certo medo de que duas ameaças se concretizassem: que a produção dos autores que surgiam não se mantivesse e que a pulsão criativa não se desdobrasse em novos autores.
Nesta década seguinte já vemos que os temores eram infundados e a safra do ano passado bem confirma isso. Os principais autores surgidos naquele momento continuam, quase todos, produzindo com interesse. A geração 2000 desdobrou-se no grupo dos "melhores jovens escritores brasileiros", escritores com menos de 40 anos incluídos em volume da revista Granta: alguns dos mais jovens de antologias anteriores deram lugar aos mais jovens entre os selecionados pela publicação em 2012.
O esgotamento do modelo do romance, que os modernos já apontavam, merece ser lembrado; a produção recente aposta na desestabilização da narrativa. A autoficção, a temática memorialista (que memórias tão breves!), o questionamento de identidades vêm, nos melhores casos, atravessados por intervenções formais que vão de alterações no discurso narrativo a intervenções gráficas.
O deslocamento do território nacional, contribuição incentivada pela coleção Amores Expressos, dá originalidade a "Ithaca Road" [R$ 34, 112 págs., 2013] de Paulo Scott, publicado pela série da Companhia das Letras no ano passado -pouco depois do importante "Habitante Irreal" [Alfaguara, R$ 39,90, 264 págs., 2012].
Tanto a coleção como a Granta em português mostraram que a vida literária não é constituída apenas por conversas em bares ou pela veiculação dos raros suplementos ou páginas dedicados aos livros. Esforços de produção editorial contam muito.
Paloma Vidal e Ana Paula Maia, duas possibilidades absolutamente diferentes, comprovam, com seus novos roman
ces - "Mar Azul" [Rocco, R$ 29,50, 176 págs., 2012] e "De Gados e Homens" [Record, R$ 30, 128 págs., 2013], respectivamente -sua capacidade de continuar imprimindo forte marca pessoal: a primeira, cerebrina e com uma escrita sedutoramente melancólica; a segunda, simulando uma escrita "pulp fiction", mas comovente na criação de personagens do mundo do trabalho e seu entorno cruel.
"Barba Ensopada de Sangue" [Companhia das Letras, R$ 42, 424 págs., 2012], de Daniel Galera, talvez tenha sido um dos livros nacionais que mais atenção receberam no momento de seu lançamento. O autor dá um salto adiante em sua escrita de formato realista; a introdução do horror, do terrível, do agônico, altera a dimensão da realidade, dramatizando-a.
GÊNERO Além de experimentar dentro dos espaços em que já vinham se exercitando, alguns autores optaram por adentrar o romance como um gênero novo.
Assim foi com o premiado contista João Anzanello Carrascosa, que estreou no gênero com "Aos 7 e aos 40" [Cosac Naify, R$ 39,90, 224 págs., 2013]. O autor recorre a recursos gráficos para separar as duas partes da narrativa, a do menino e a do homem que ele se tornou. O romance mantém o ímpeto do conto mas vai além, atribuindo à narrativa do personagem adulto um ritmo que não se delimita como prosa ou poesia -tanto faz.
Troca mais radical é a de Laura Erber, poeta e artista visual que também estreou no romance, levando para ele formas de composição plásticas."Esquilos de
Pavlov" [Alfaguara, R$ 32,90, 176 págs., 2013] incorpora imagens que se negam ao papel de ilustrações; antes fazem um trânsito entre expressões artísticas, numa perspectiva promissora.
A noção de obra como processo, que vigora hoje nas artes cênicas e visuais, trazida para o romance, provoca um leitor menos estático. Um exemplo é o segundo livro de Ieda Magri, "Olhos de Bicho" [Rocco, R$ 24,50, 160 págs., 2013]. Referências literárias, leituras prévias e uso de outras linguagens, como a dramatúrgica, dão ao texto uma inovadora perspectiva de ensaio, de obra inconclusa.
De algum modo, a ideia de um leitor que deve completar a obra guia também a produção de textos curtos ou curtíssimos que vêm ocorrendo, não apenas em contos mas também em romances formados por fragmentos, como "A Invenção do Amor" [7 Letras, R$ 28, 132 págs., 2013], de Jorge Viveiros de Castro.
Nas produções ficcionais de jovens escritores, chama atenção certo bom comportamento, um temor de enfrentar o erótico. Essa, aliás, foi a marca de quase toda a literatura modernista, escrita por uns castos que contrastavam com escritas tidas como menores, de antecessores seus. Duas obras de 2013 romperam essa barreira e merecem atenção.
O primeiro é o divertido romance de Juliana Frank, jovem de 28 anos, desbocada e com muito humor, raridade na literatura escrita por mulheres. A narradora de "Meu Coração de Pedra-Pomes" [Companhia das Letras, R$ 31, 112 págs., 2013], ainda mais jovem que a autora, é uma "lunatiquinha" que atravessa a violência da cidade com sua sensibilidade.
O segundo é um belo romance: "Todos Nós Adorávamos Caubóis" [Companhia das Letras, R$ 37, 192 págs., 2013], de Carol Bensimon. Este é o terceiro livro da autora, que já havia mostrado, com "Sinuca embaixo d'Água" [Companhia das Letras, R$ 36, 144 págs., 2009], o interesse que sua escrita pode despertar.
O novo livro, que registra seu amadurecimento como escritora, é uma espécie de "Thelma & Louise", com Cora e Júlia num carro durante as férias na Serra Gaúcha. A bem da verdade, um pouco de gauchismo demais, com direito a descrição de trajes típicos, quase atrapalha. Trata-se, porém, de uma rascante história de amor entre as duas jovens, com toda a melancolia das relações feitas de idas e vindas, de dificuldade de aceitação e muito tesão. Ainda que seja uma narrativa tradicional, o romance se impõe pelos diálogos e pelo contraste entre a juventude das duas e a aridez dos cenários.
Acrescente-se ao elenco gaúcho a forte contribuição de Veronica Stigger. Depois do desmonte de gêneros e outros rótulos por "Os Anões" [Cosac Naify, R$ 42, 60 págs., 2010] e "Delírio de Damasco" [Cultura e Barbárie, R$ 30, 80 págs., 2012], publicou o que Flora Süssekind chamou de "experimento narrativo mais longo", "Opisanie Świata" [Cosac Naify, R$ 25, 160 págs., 2013].
A narrativa se ancora num episódio tradicional, a carta de um filho moribundo instando o pai, que não conhece, a ir despedir-se dele. Inicia-se então a estranha viagem do Sr. Opalka por trem e navio, da Polônia à Amazônia. Textos diversos, personagens-citação, como Raul Bopp, e outras intervenções, inclusive gráficas, desmontam o pseudorrelato de viagem para criar o texto de uma das mais significativas ficções do ano passado.
PRÊMIOS Para concluir pelo caminho por onde começamos, o das iniciativas de promoção e divulgação da literatura, vale passar pelos prêmios e a influência que podem ter em lançamentos e divulgação do trabalho de novos escritores.
Publicado em 2013, "Quiçá" [Record, R$ 42, 240 págs.] foi um grande acerto do Prêmio Sesc de Literatura 2011. No romance, Luisa Geisler -que nasceu em 1991, foi premiada em 2010 na categoria conto do mesmo prêmio e era a mais jovem dos autores na seleção brasileira da Granta em 2012- cruza fios narrativos, tempo e espaços diferentes, com rara habilidade, para falar da amizade entre uma garota de 11 anos, filha de pais ocupados demais ganhando dinheiro, e um rapaz que tentara suicídio.
Em edição 2013, o Prêmio São Paulo inovou dividindo os estreantes em dois grupos etários: os de menos de 40 anos e os de 40 anos ou mais. O contemplado mais jovem, Jacques Fux, 36, premiado por "Antiterapias" [Scriptum, R$ 45, 168 págs., 2012], surpreende pela erudição, pelas referências acadêmicas e literárias e pela autoironia, rara nos jovens. Borges e Perec visitam a narrativa em citações -ou contaminações. Um fatiamento do romance em partes e as intervenções gráficas sacodem o leitor. A edição, em fonte minúscula com um texto que não respira, é torturante. Mas o leitor está salvo -o livro existe em e-book.
Uma promessa interessante, lançado também a partir de um concurso, o Prêmio Paraná de Literatura, é Caetano Galindo. O vencedor na categoria contos traz para a criação ficcional a experiência de quem pesquisa e luta com as palavras no ofício da tradução. Galindo recebeu muitos reconhecimentos, entre os quais o Jabuti pela mais nova versão de "Ulysses" (Peguin- Companhia, 2012), de James Joyce.
Em "Ensaio sobre o Entendimento Humano" (que por ora recebeu somente edição não comercial, por parte do prêmio, devendo sair pela Companhia das Letras no ano que vem) põe em discussão não apenas os limites do gênero conto, mas da prosa de ficção ela mesma. De sua experiência anterior com as palavras, o autor traz segurança na criação do convívio entre linguagem coloquial e livre e uma forte erudição. O resultado são textos tão provocadores quanto desassossegados.
A propósito de Galindo, professor da Universidade Federal do Paraná, uma última constatação sobre o universo da produção literária. Merece destaque o crescente número de autores que são professores universitários. Talvez isso contribua para diminuir o fosso entre a produção literária contemporânea e os estudos das literaturas em nossas universidades.
    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/153455-exercicios-de-2013.shtml