Ela contou que estava triste e que saiu de casa para caminhar um pouco,
ver gente e beber uma água de coco, por isso foi à praia. Correu no calçadão,
deu um mergulho e ficou jogando conversa fora com um pessoal que estava na
barraquinha de coco gelado, não viu o tempo passar e, quando deu por si, já
estava escurecendo.
Mas eu acho que aconteceu foi outra coisa muito diferente. Tudo
planejado. Marcou encontro com o amante na esquina de casa, entrou no carro
dele e foram para uma praia lá longe, bem deserta. Deitou e rolou na areia, se
fartou, se esfalfou e voltou já noite alta toda molhada, com o cabelo todo
desgrenhado....
Ela tem essa mania de me contar o que ela acha que fez. Eu deixo. Sei que
deve ser tudo mentira, mas deixo. Escuto. Mas acho sempre que ela fez mesmo
outra coisa bem diferente daquela que ela contou. Aquela cara de franga esconde
as galinhagens dela, mas eu supero essa tragédia todos os dias e digo a mim
mesmo que amanhã vai ser diferente.
Outro dia, na hora de dormir, me apareceu de calcinha vermelha. É claro
que eu estranhei e perguntei o que significava aquilo e ela veio com um papo
careta que era pra me seduzir, que a gente estava distante um do outro, que ela
achava que eu estava frio com ela, chorou e tudo. Eu até disse que isso, eu te
amo, é que estou com uns problemas lá no trabalho e a gente até transou...há
tanto tempo a gente não transava que eu já estava até me esquecendo de como ela
é linda e gostosa.
Mas aí eu me toquei que devia ser tudo mentira e a transa acabou. Ela
deve ter comprado a calcinha vermelha pra vestir para algum vagabundo na rua e,
aí, pra me enrolar, pra evitar que eu desconfiasse quando ela, por acaso,
esquecesse a calcinha no varal, ela resolveu vestir e me mostrar. Filha da
puta!
Não sei porque ela mudou tanto. Namoramos um tempo curto, é verdade, mas
era diferente. Ela me falava a verdade e eu acreditava. Era simples assim.
Depois de casados, tudo mudou. Bem que meu pai falava que mulher quer mesmo é
casar e que você casa com uma, mas leva outra pra casa. Meu pai sabia das
coisas, por isso separou da minha mãe.
Eu me lembro bem do dia em que cheguei em casa e ele tinha dependurado
minha mãe de cabeça pra baixo. Saí
correndo pro meu quarto e fiquei lá bem quietinho enquanto ele chorava olhando
pros cabelos longos da minha mãe que tocavam de leve o chão da sala. Mas aí
chegaram os vizinhos, desamarraram minha mãe e ameaçaram meu pai de chamar a
polícia. Fiquei morrendo de vergonha dos vizinhos.
Depois disso, nunca mais vi minha mãe. Meu pai me pegou e me levou pra
casa da minha avó. Ele me contou que minha mãe mentia e que não queria mais
viver com ela, mas eu e ele sempre ficaríamos juntos. Vovó confirmou tudo,
silenciosamente, mas confirmou. Ficamos juntos mesmo, até eu conhecer a Vera.
Aí, como uma maldição, me esqueci dos conselhos dele e me apaixonei por ela. Me
apaixonei e virei um palhaço nas mãos dela, porque homem que se apaixona é
palhaço. Mas não me dei conta logo, só depois do casamento. E agora é esse
inferno.
A Vera diz que gosta de pudim, mas eu acho que ela gosta de cocada. Ela
diz que gosta de MPB, mas eu acho que ela gosta de funk. Ela diz que vai pro
trabalho, mas eu acho que ela vai pra rua, bater calçada. Ela diz que gosta dos
seus aluninhos, mas eu acho que ela gosta dos pais daquelas pobres crianças.
Ela diz que gosta de mim, mas eu acho que ela não gosta de ninguém, porque
mulher não gosta da gente, mulher só quer se aproveitar.
E o pior, é que nem coragem eu tenho de contar pro meu pai sobre o
covarde que eu sou. Se ele prestar atenção na minha vida, deve imaginar que
quem puxa aos seus, não degenera. E ele deve esperar pelo dia em que eu vou
dependurar a Vera de cabeça pra baixo e ir até o fim, coisa que ele não
conseguiu concluir com a minha mãe. Ele deve achar que seu filho é fodão. Mas
eu acho outra coisa.
Publicado em 13/04/2012 http://issuu.com/pauloresende5/docs/crowd_magazine_2