quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

EU PRECISAVA ESCREVER O POEMA

 


Era primavera, mas aquela árvore já jogava em minha cara as folhas secas que caíam. 

Métrica e rima não harmonizavam com as palavras duras

 que vi saírem de minha boca

e eu precisava tanto escrever aquele poema! 

Caminhos em curva me induziam a perder-me nas tangentes. 

A lógica da vida não poderia ser enquadrada no absoluto abstrato de minh'alma. 

E eu precisava tanto de escrever aquele poema!

Sem as letras certas, sem modelos e com sintaxe truncada, procurava o sol

onde apenas o frio da noite se oferecia. 

Ninhos vazios no alto das árvores

 já abduzidos por formigas 

e transformados em celeiros de alimento forte. 

Minhas pegadas desenhando tristes notas musicais no chão de terra batida. 

Os olhos tentando piscar em meio à tempestade de areia. 

Engoli seco e comecei a ler os rastros sem que me desse conta. 

A poesia me embalava.

O poema estava pronto.

sábado, 9 de janeiro de 2021

RETORNO A LUGAR NENHUM

 

Cheguei à cidade em dia triste.

Prenúncio do que viria a seguir

ou lamento final de uma saga de fome e intolerância?

Minha cidade menina

Apresentava-se a mim como anciã abandonada

Sem que eu tivesse tido tempo

De usufruir sua juventude de mulher alegre.

Não havia como voltar – para onde?

A vida inteira planejando o retorno

Para um lugar que só existiria

Em minha mente e em meu coração.

Minha cidade não era mais a minha cidade.

Estuprada e maltratada,

Desrespeitada e calada,

Minha cidade chorava um choro contido

De quem se conformou a prender as lágrimas e

A sufocar qualquer manifestação da alma.

Minha cidade chorava

Por eu ter deixado que tudo acontecesse

Sem mover um dedo, sem dar um passo, sem gritar um não.

Encostei a cabeça na vidraça e também chorei

Porque naquele instante entendi

Que, com minha distância e indiferença ao real,

 

 também fui violadora da minha cidade.