segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Inauguração da Exposição JOGO, do Caneta, Lente e Pincel, no MAM



Outra obra de minha autoria exposta no MAM: "ESTE SOU EU?"


Obra exposta no MAM: "O QUE SERIA ESSA LUZ"

Parceria entre Maria Emilia Algebaile e Johandson Rezende para o Caneta, Lente e Pincel, exposição JOGO, no MAM

O QUE SERIA ESSA LUZ?

O que seria essa luz?
mARIA eMILIA aLGEBAILE


Se dentro de uma caverna
Temos proteção e abrigo
Ao nos lançarmos ao mundo
O que seria a luz
Senão uma exposição ao perigo?

E se dentro de uma casa
É tempo de reclusão
Ao batermos atrás a porta
O que seria a luz
Senão momento de ação?

Pois se dentro de um corpo
Guarda-se a vida nova
Numa antiga gestação
Ao ter o cordão cortado
Vendo o sangue em movimento
O que seria a luz
Senão sinal de nascimento?


E se dentro da cabeça
Se encontra um pensamento
Ao matutar um assunto
Relacionando-o ao mundo
O que seria aluz
Senão a construção de conhecimento?

Se trago no coração
Uma delicada emoção
Sentimentos de mil cores
O que seria essa luz
Senão uma explosão de amores?

E se em cada caixa couber
Um pouco do que vivi
Ao se retirar sua tampa
O que será essa luz
Senão minhalma a se abrir?



segunda-feira, 20 de outubro de 2014

ARTE URBANA II



Pelo vandalismo poético em muros, praças e ruas!
Pela ocupação dos corações
Com sentimentos, lutas e arte!

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

ARTE URBANA I



Gosto de andar pelas ruas estreitas desta capital. O Rio de Janeiro esconde em suas entranhas o cheiro do mijo noturno dos moradores de rua e explode pela manhã em mil letras em forma de poesia. Entre o bueiro e o cheiro acre, entre o pensamento e a ação, entremente, surge a voz do outro. Surge a nossa voz.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A CAMPANHA NAS RUAS


É preciso ler nas estrelinhas, porque nas entrelinhas já não faz muito sentido. A todo momento, trombamos com ilustres cabos eleitorais nas ruas da cidade distribuindo santinhos, folders e outros materiais de campanha. Por princípio, não recuso. Cada um faz o trabalho que pode. Vou colocando tudo na bolsa e, geralmente, não leio. Mas minha amiga leu, leu e fotografou. Leu e veio conversar comigo que parece uma sopa de letrinha, as mensagens são todas parecidas. Fala sério, se a gente lê as mensagens e não consegue identificar o emissor, fica tudo muito embaralhado mesmo. Todo mundo fala a mesma coisa ou cada um fala uma língua diferente? Como escolher um dentre tantos iguais? Uma Babel brasileira pode ser apreciada, a cada eleição, com um grau maior de elaboração. Daqui a milênios, quando alguma civilização (mais?) avançada descobrir nossos vestígios, certamente vai endoidecer! Todos pela educação! Todos falam em mudança! Mas de que forma, camarada amigo meu? A gente educa para a vida sob determinada concepção de mundo. Não tem como ser diferente e, por conseguinte, as propostas não podem ser iguais. A gente pensa em mudança, mas qual a direção? Existe diferenciação entre os grupos e um grupo vai assumir a hegemonia. É assim, não vamos mudar por mudar, porque a mudança sem rumo pode ser para pior. A velha história de que, para quem não sabe aonde quer ir, qualquer caminho serve. Mas o discurso precisa ser pasteurizado para atingir a todos e, quem sabe, pegar um voto de um incauto aqui e outro acolá? Pois bem, nessa colcha de retalhos, deito meu corpo cansado e minha mente subversiva, não necessariamente nessa ordem nem mesmo com essas combinações, porque posso deitar, perfeitamente, meu corpo subversivo e minha mente cansada. O fato é que, se não leio essas propagandas eleitorais, muita gente lê. E muita gente lê apenas um e não todos os panfletos que lhe são entregues na rua. Minha amiga leu. Leu e me contou. E um alarme tocou dentro de mim.

Texto: Maria Emília Algebaile
Imagem: Magali Rios

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

FLOR OU PÁSSARO




É pássaro quando nos leva ao ar pelo perfume da flor

É flor quando seduz o pássaro que passa em liberdade

E voo de flor em flor

E floresço em cada par de asas

Sem identificar quem é quem


Porque isso realmente não mais importa

terça-feira, 2 de setembro de 2014

sábado, 23 de agosto de 2014

Caneta, Lente e Pincel: UMA LUZ

Caneta, Lente e Pincel: UMA LUZ: Uma luz tímida teima em chegar aos meus olhos bem devagar, bem devagar, contrariando as leis da física que, soberbamente, classificam...

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

SAUDADES DE MIM



Quando vejo alguém morrendo, me dá saudades de mim e acho que é por isso que eu choro. Eu me lembro de tudo que já vivi, tudo que já sonhei e percebo que, um dia, eu também vou morrer e talvez não dê tempo de fazer tudo o que eu desejo nem de sonhar coisas para o futuro.
Eu penso que, quando me olhava no espelho, eu via uma cara que eu não vejo mais... mas, ao mesmo tempo, o meu olhar me diz que aquela lá dentro ainda sou eu e tenho medo de que um dia eu deixe de ser.
Eu me recordo dos banhos de chuva que tomei, dos mergulhos que eu dava no mar, da sujeira que eu fazia com a farinha de trigo na cozinha de minha mãe aprendendo a fazer bolo e eu não queria deixar de fazer isso tudo. Mas um dia eu vou deixar.
E é por isso que eu sinto saudades de mim, daquela que eu fui lá atrás e daquela que eu serei antes de morrer, porque, quando a gente ainda está vivo, não dá importância a comer um feijão fresquinho, não presta atenção ao cheiro do sapato novo, não dá o devido valor ao calor do abraço, às vezes nem mesmo registra quantos litros de lágrimas já choramos ou quantos metros de dentes brancos já mostramos ao darmos gargalhadas. Simples assim.
E quando eu vejo alguém morrendo, eu acho que morro um pouco também, porque a gente não é só a gente, a gente vive na relação com o outro e se os mil outros que nos fazem perceber a vida. Se alguns desses mil outros se vão, um pouco da gente vai também.
Eu sinto saudades do que eu ainda não fui, que é pra ver se ganho tempo. Tanta planta que eu ainda não plantei, tanto sangue que ainda não ajudei a estancar, tanto beijo que ainda preciso dar, netos que vão nascer, aquele tapete que eu bordo há mais de 15 anos...
Tanta coisa eu tenho pra começar, pra terminar, pra simplesmente deixar acontecer: matar as formigas que vivem atacando minhas roseiras; experimentar aquela receita nova que minha filha me deu, repetir exaustivamente, sem nunca conseguir fazer igual, aquela receita que minha mãe me passou e que só ela sabe preparar; ensinar a alguém as coisas que eu aprendi nas aulas de literatura, de vinho, de francês, principalmente o que aprendi com a vida.
Eu não tenho medo de morrer, eu tenho medo de não viver, Vitor Hugo já falou isso muito antes e muito melhor e eu não tenho o menor pudor em dizer de novo pois, quando a gente lê algo que nos marca profundamente, a gente acaba por internalizar as palavras, que vão se transformando em sentimento e aí a gente já não sabe bem quem pensou aquilo primeiro, nós ou o escritor. E também por isso eu choro, pelas saudades de tudo o que eu poderia ter dito e pelas coisas que, um dia, vou parar de dizer.

E talvez seja por tudo isso que eu vibro quando acordo de manhã e vejo que acordei de verdade, que não é um sonho ou uma visagem. É porque eu gosto de viver e, quanto mais viva eu estiver, menos saudades eu vou sentir de mim.

domingo, 29 de junho de 2014

BIBLIOTHÈQUE ENFANT-BRÉSIL DE MONTPELLIER






Uma biblioteca infantil em Montpellier, na França, visando a divulgação da língua e da cultura brasileiras por meio da leitura.
Descrição
Em 2011, o Rio de Janeiro sancionou uma lei tornando cidades-irmãs as cidades de Montpellier e Rio de Janeiro. Em 2012, esta parceria começou a dar os primeiros frutos, tendo sido assinado acordo de “jumelage” entre as prefeituras das duas cidades. Entre outros aspectos a serem trabalhados, a cultura e a educação estão presentes.
A Association Senzala de Montpellier vem desenvolvendo projetos culturais na região há quase 20 anos. Trata-se de projetos na área do folclore, da dança e da música e, mais recentemente, este universo tem sido ampliado para a área literária através de aulas de Língua Portuguesa para crianças e adultos. Este ano, iniciou um projeto de montagem de uma biblioteca de Língua Portuguesa voltada para o público infantil, como forma de incentivo à leitura , desenvolvimento do intercâmbio cultural entre os países e composição de um nicho de literatura brasileira, uma vez que já existem núcleos de literatura angolana, portuguesa e de outras nacionalidades lusófonas. 

Coordenadoras: Lis Valverde e Maria Emilia Algebaile
Presidente da Association Senzala: Inês Ferreira

quinta-feira, 19 de junho de 2014

PESQUISA SOBRE A EVOLUÇÃO LITERÁRIA NO BRASIL

Luiz Bras - Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta:
Tendo em vista a quantidade de livros publicados e a qualidade da prosa e da poesia brasileiras contemporâneas, em sua opinião, a literatura brasileira está num momento bom, mediano ou ruim?
Luciana Villas-BoasComo se sabe, a humanidade não se propõe problemas para os quais já não tenha a solução. A literatura brasileira nunca foi tão problematizada quanto hoje em dia. É um bom indicador.
Viver a véspera é um privilégio. Retroativamente, quando a perspectiva histórica dá a dimensão do que foi vivido, dizer “eu estava lá” é um prazer. Viver a véspera com a consciência da força do porvir é estimulante. Para mim, esses últimos anos de trabalho com a literatura brasileira têm sido intensos.
Dito isso, os problemas e desafios do presente são muitos e pesados. Basta registrar que somente sete por cento de toda a ficção publicada no país é criação de escritores brasileiros. Uma aberração editorial que singulariza o Brasil. Um autor que considere esse um problema menor tem que receber o galardão do autoengano.
Lembrando o que é sabido por todo assinante deste jornal, a obra literária só se realiza quando é lida. A ficção nacional contemporânea é lida por um número de leitores ridículo, patético. Aumentou o consumo de livros, mas com benefício apenas marginal para a boa literatura brasileira.
O que me permite então o otimismo dos primeiros parágrafos? O fato de esse quadro estar em movimento. Se olharmos para a situação da ficção brasileira quinze anos atrás, é indubitável o salto que foi dado. Naquela época, nossa literatura parecia morta para todo o sempre, e quase ninguém se perguntava ou queria saber o porquê.
Governo e opinião pública parecem cada vez mais preocupados com a precária saúde cultural e literária da população. O Estado passou a dedicar verbas maiores para a criação de bibliotecas e a divulgação de nossa literatura no exterior, entre outras ações. Isenções fiscais permitem a realização de festivais literários em todas as regiões do país.
Empresas desvinculadas do meio editorial estão dirigindo orçamentos de marketing para o meio literário. Deus me perdoe fazer propaganda de banco, mas o trabalho do Itaú é notável. A toda hora, as novelas da Globo valorizam a leitura, exibindo seus protagonistas a ler e elogiar livros que estão sendo lançados, sempre brasileiros. Até o Faustão anuncia lançamentos.
A internet e as mídias sociais facilitam a comunicação entre autores e leitores e a informação sobre as obras publicadas. Essa comunicação se dá com mais eficácia entre autores e leitores de igual nacionalidade, ou ao menos que usam o mesmo idioma.
Pressionados pelos desafios do livro eletrônico, os editores estão, finalmente, se abrindo para a ideia da publicação profissional da nossa produção literária. Ainda são apenas um ou outro que atuam de fato em prol da ficção brasileira, mas a tendência é claramente perceptível.
Tudo isso é mais do que sabido por quem lê este jornal, embora não possa ser omitido em face da pergunta proposta. Com o que de novo posso contribuir da minha posição de agente, que abre para um amplo panorama da indústria literária e editorial, é a garantia de que na ponta da criação a movimentação das camadas sinaliza um terremoto. Terremoto bom.
Ao contrário do que dizia o Barão, de onde menos se espera pode sair muita coisa, pelo menos em termos de originais. Por meio do site da VBM, recebo textos interessantíssimos, que nem sempre saem apenas do eixo Rio-São Paulo, vindos de várias capitais e cidades brasileiras. Não posso assumir a representação de todos eles, abnegação tem limite, e muitas vezes minha atitude é aquela que critico nos editores: me pergunto como representar um autor que não tem conhecimentos no meio literário e editorial, ou entre os críticos universitários. Mas é inegável que a produção existe.
Tenho folgado em saber que uns tantos escritores percebem vida literária além da autoficção, que tanto caracteriza a literatura brasileira contemporânea. No exterior, agentes e editores me perguntam quando nossa produção literária vai apresentar histórias que não envolvam almas torturadas de narradores com bloqueio de criação, mergulhados em relações perversas, em cenários de grandes metrópoles, narrativas que buscam sistematicamente diluir sinais de brasilidade. Respondo que o catálogo da VBM conta comvários exemplos, mas sempre ouço que não são o que dá o tom da oferta brasileira.
O sucesso extraordinário do suspense psicológico de Dias perfeitos, de Raphael Montes, lançado pela Companhia das Letras em abril e cujos direitos de tradução foram vendidos desde então para oito países por quantias significativas, passou a funcionar como cartão de visitas da VBM no exterior. Com as obras de Alberto Mussa, Edney Silvestre, Francisco Azevedo e Ronaldo Wrobel, ofereço Dias perfeitos como prova de que há mais do que autoficção na literatura brasileira de hoje.
Um parêntese: nada, pessoalmente, contra a autoficção, quando é boa, excelente, um O filho eterno, embora indiscutivelmente sua facilidade de realização seja enganosa, preguiçosa e viciosa. A VBM representa alguns exemplos de autoficção extremamente bem-sucedidos. Vale notar, porém, que não fizeram autoficção os autores da agência mais bem publicados no exterior — os acima citados, com Traduzindo Hannah, de Wrobel, traduzido em seis países, até o máximo de O arroz de Palma, de Azevedo, que está saindo em doze idiomas, todos os títulos publicados sempre por fortes editoras internacionais.
Fechado o parêntese, devo dizer que pelo Brasil afora está se escrevendo de tudo: romance histórico de qualidade literária, muita ficção científica, policiais, histórias de amor, dramas (infelizmente muita fantasia juvenil também). O terremoto bom vai acontecer quando essa produção diferenciada conseguir largo escoamento até nossas livrarias físicas ou digitais.
Para isso, o editor brasileiro precisará encarar com seriedade a busca de originais, independentemente do capital social do autor, independentemente das amizades e relações do meio. Serão necessários mais agentes para ajudar o editor a fazer a triagem da massa avassaladora de escritos em oferta — naturalmente, a maior parte do que é enviado não tem valor literário — e para profissionalizar o ambiente como um todo.
Descrito assim, parece que esse momento só poderá existir em um futuro distante. Minha aposta é o contrário. Creio que o gatilho está sendo disparado agora. Depois de mais de duas décadas de desolamento, a literatura brasileira começa a encontrar suas soluções e a se aproximar de um período de prosperidade e fortuna.
Luciana Villas-Boas foi diretora editorial do Grupo Record e atualmente é sócia da Villas-Boas & Moss Agência e Consultoria Literária.

http://rascunho.gazetadopovo.com.br/pesquisa-sobre-a-evolucao-literaria-no-brasil-14/

segunda-feira, 9 de junho de 2014

AMOR


Ao te chamar "Amor"
Não estou a chamar
João, Clara, Maria.
Chamo pelo que, em mim, despertas.
Chamo pelo que, em mim, transborda e se faz sentimento.
Ao te chamar "Amor"
Aceite simplesmente
Pois assim te batizei
Em nome da terra que se abre ao brotar a semente.
Em nome do fogo que ilumina minha solidão fria e escura.
Em nome do ar que se faz vento com nossos corpos em movimento.
Em nome das águas que banham meus olhos quando te vejo ir.
Ao te chamar "Amor",
Responda com braços abertos
Porque assim és.
E porque és amor, contigo construirei uma história.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

VIVER


Sensações que só se sente uma vez:

Nunca mais a expectativa do primeiro beijo, da primeira transa, do primeiro amor

Mais que a experiência em si

A expectativa do acontecimento cria uma sensação única

E a gente passa a vida tentando sentir novamente aquilo

Em vez de buscar novas primeiras vezes...

Cada momento, cada dia, cada amor,

cada espirro, cada orgasmo, cada dor,

cada filho, cada neto, cada insensatez...


Viver é sempre uma primeira vez!

terça-feira, 8 de abril de 2014

TERRA E PEDRA



Porque eu sou terra e você é pedra
Nos escoramos e complementamos
E um pelo outro escorregamos
Avalanche de fogo, tensão.
E também edificamos
Dando forma e sustentação
Conteúdo e sabor
Porque desde que o mundo é mundo
Somos feitos de amor
Pedra angular, temperatura e combustão
Carinho, magma, tesão
Sempre recomeçando a guerra
Porque você é pedra e eu sou terra.


terça-feira, 25 de março de 2014

TAL E QUAL


Tal qual lua cheia mirando-se em meu lago

Penso no que já vivi

E rendo-me satisfeita à vida que tenho

Que tudo é doce se não for amargo

Que tudo é simples se não tiver complicadores

Que uma lua brilhando

É o mesmo que criança sorrindo

Mãe cantando

Rio correndo

Sapo pulando


E borboleta enchendo a vida de cores.

terça-feira, 18 de março de 2014

PORTÃO


Voltar é um estado de espírito

Rever é um estalo no coração

Quando se tem impressões

Há o medo

Recordação ou memória

Revelação da história

A porta aberta nem sempre é passagem

O musgo nem sempre encobre

O passo à frente nem sempre é emoção

Quedo-me parada, sofrendo, em frente ao portão.


Maria Emilia Algebaile

quinta-feira, 6 de março de 2014

LETRAS BRASILEIRAS CRÍTICA

Exercícios de 2013
Como se movimenta a prosa recente
BEATRIZ RESENDERESUMO A aposta na desestabilização das narrativas, fruto do esgotamento do modelo do romance, é uma tendência da literatura brasileira recente. Mescla de gêneros, tramas fragmentadas, intervenções formais e gráficas, mais comuns nas artes plásticas que nos livros, são recorrentes nas ficções mais significativas.
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A participação do Brasil como homenageado da Feira Literária de Frankfurt, em 2013, fez com que a mídia se ocupasse de autores contemporâneos, das diversas formas de divulgar a cultura brasileira no exterior, dos financiamentos à cultura e da política do livro praticada pelo Estado. As repercussões do evento, que reuniu contingente considerável de escritores e pessoas ligadas ao mundo das letras, com acertos e erros que atravessaram três diferentes gestões do Ministério da Cultura, deram publicidade especial ao mundo do livro.
Além disso, porém, o evento evidenciou a necessidade quase desesperada, por parte de editores e escritores, de conquistar um mercado externo, em função da debilidade do mercado editorial interno. A venda de direitos em dólares ou euros, surgindo como forma imperiosa de sobrevivência econômica, tornou a questão bem mais importante que o debate sobre a difusão no exterior da literatura criada no Brasil.
Se por um lado nossa literatura -pelo aumento e pela pluralidade da produção, pela forte ruptura com formas desgastadas e conservadoras e com resquícios nacionalistas, regionalistas e similares- encontra-se em condições de buscar um público internacional, por outro é incômoda a necessidade da tradução como condição mesma de existência. Mais do que isso, surge o perigo de obras serem escritas ou publicadas já de olho em possíveis vendas para o exterior (ou, numa variante, com vistas a adaptações para cinema ou TV).
Não se confunda tal alerta com obscurantismo, busca por pureza ou medo do capital. O sucesso internacional de um autor é absolutamente benéfico para o conjunto da nossa literatura, mas não pode ser o objetivo primeiro.
TENDÊNCIAS Ao mapearmos a produção recente, importa, mais do que listar nomes de romancistas, identificar tendências. Evidentemente as propostas são concretizadas por autores e é inevitável que sejam citados -isso não deve significar que eles configuram algum tipo de cânone pessoal.
O romance-sintoma do panorama recente me parece ser "Reprodução" [Companhia das Letras, R$ 37, 168 págs., 2013], de Bernardo Carvalho. Digo sintoma no mesmo sentido em que "Esperando Godot", de Samuel Beckett, é sintoma da Europa do pós-Guerra.
Em "Reprodução", cuja ação se situa no não espaço de um aeroporto, falas sem marcação de diálogo reproduzem clichês veiculados pelas mídias sociais, pela comunicação de massa, por discursos preconceituosos e discriminatórios e pelas religiões. Pelo lado de fora circulam a corrupção, o autoritarismo e, sobretudo, a ignorância que recusa a imaginação. Um mundo que prescinde da literatura e por esta falta é enformado.
Quando se falava, com entusiasmo, da chamada geração 2000, ao mesmo tempo em que se apostava na renovação e no crescimento da literatura, partilhávamos certo medo de que duas ameaças se concretizassem: que a produção dos autores que surgiam não se mantivesse e que a pulsão criativa não se desdobrasse em novos autores.
Nesta década seguinte já vemos que os temores eram infundados e a safra do ano passado bem confirma isso. Os principais autores surgidos naquele momento continuam, quase todos, produzindo com interesse. A geração 2000 desdobrou-se no grupo dos "melhores jovens escritores brasileiros", escritores com menos de 40 anos incluídos em volume da revista Granta: alguns dos mais jovens de antologias anteriores deram lugar aos mais jovens entre os selecionados pela publicação em 2012.
O esgotamento do modelo do romance, que os modernos já apontavam, merece ser lembrado; a produção recente aposta na desestabilização da narrativa. A autoficção, a temática memorialista (que memórias tão breves!), o questionamento de identidades vêm, nos melhores casos, atravessados por intervenções formais que vão de alterações no discurso narrativo a intervenções gráficas.
O deslocamento do território nacional, contribuição incentivada pela coleção Amores Expressos, dá originalidade a "Ithaca Road" [R$ 34, 112 págs., 2013] de Paulo Scott, publicado pela série da Companhia das Letras no ano passado -pouco depois do importante "Habitante Irreal" [Alfaguara, R$ 39,90, 264 págs., 2012].
Tanto a coleção como a Granta em português mostraram que a vida literária não é constituída apenas por conversas em bares ou pela veiculação dos raros suplementos ou páginas dedicados aos livros. Esforços de produção editorial contam muito.
Paloma Vidal e Ana Paula Maia, duas possibilidades absolutamente diferentes, comprovam, com seus novos roman
ces - "Mar Azul" [Rocco, R$ 29,50, 176 págs., 2012] e "De Gados e Homens" [Record, R$ 30, 128 págs., 2013], respectivamente -sua capacidade de continuar imprimindo forte marca pessoal: a primeira, cerebrina e com uma escrita sedutoramente melancólica; a segunda, simulando uma escrita "pulp fiction", mas comovente na criação de personagens do mundo do trabalho e seu entorno cruel.
"Barba Ensopada de Sangue" [Companhia das Letras, R$ 42, 424 págs., 2012], de Daniel Galera, talvez tenha sido um dos livros nacionais que mais atenção receberam no momento de seu lançamento. O autor dá um salto adiante em sua escrita de formato realista; a introdução do horror, do terrível, do agônico, altera a dimensão da realidade, dramatizando-a.
GÊNERO Além de experimentar dentro dos espaços em que já vinham se exercitando, alguns autores optaram por adentrar o romance como um gênero novo.
Assim foi com o premiado contista João Anzanello Carrascosa, que estreou no gênero com "Aos 7 e aos 40" [Cosac Naify, R$ 39,90, 224 págs., 2013]. O autor recorre a recursos gráficos para separar as duas partes da narrativa, a do menino e a do homem que ele se tornou. O romance mantém o ímpeto do conto mas vai além, atribuindo à narrativa do personagem adulto um ritmo que não se delimita como prosa ou poesia -tanto faz.
Troca mais radical é a de Laura Erber, poeta e artista visual que também estreou no romance, levando para ele formas de composição plásticas."Esquilos de
Pavlov" [Alfaguara, R$ 32,90, 176 págs., 2013] incorpora imagens que se negam ao papel de ilustrações; antes fazem um trânsito entre expressões artísticas, numa perspectiva promissora.
A noção de obra como processo, que vigora hoje nas artes cênicas e visuais, trazida para o romance, provoca um leitor menos estático. Um exemplo é o segundo livro de Ieda Magri, "Olhos de Bicho" [Rocco, R$ 24,50, 160 págs., 2013]. Referências literárias, leituras prévias e uso de outras linguagens, como a dramatúrgica, dão ao texto uma inovadora perspectiva de ensaio, de obra inconclusa.
De algum modo, a ideia de um leitor que deve completar a obra guia também a produção de textos curtos ou curtíssimos que vêm ocorrendo, não apenas em contos mas também em romances formados por fragmentos, como "A Invenção do Amor" [7 Letras, R$ 28, 132 págs., 2013], de Jorge Viveiros de Castro.
Nas produções ficcionais de jovens escritores, chama atenção certo bom comportamento, um temor de enfrentar o erótico. Essa, aliás, foi a marca de quase toda a literatura modernista, escrita por uns castos que contrastavam com escritas tidas como menores, de antecessores seus. Duas obras de 2013 romperam essa barreira e merecem atenção.
O primeiro é o divertido romance de Juliana Frank, jovem de 28 anos, desbocada e com muito humor, raridade na literatura escrita por mulheres. A narradora de "Meu Coração de Pedra-Pomes" [Companhia das Letras, R$ 31, 112 págs., 2013], ainda mais jovem que a autora, é uma "lunatiquinha" que atravessa a violência da cidade com sua sensibilidade.
O segundo é um belo romance: "Todos Nós Adorávamos Caubóis" [Companhia das Letras, R$ 37, 192 págs., 2013], de Carol Bensimon. Este é o terceiro livro da autora, que já havia mostrado, com "Sinuca embaixo d'Água" [Companhia das Letras, R$ 36, 144 págs., 2009], o interesse que sua escrita pode despertar.
O novo livro, que registra seu amadurecimento como escritora, é uma espécie de "Thelma & Louise", com Cora e Júlia num carro durante as férias na Serra Gaúcha. A bem da verdade, um pouco de gauchismo demais, com direito a descrição de trajes típicos, quase atrapalha. Trata-se, porém, de uma rascante história de amor entre as duas jovens, com toda a melancolia das relações feitas de idas e vindas, de dificuldade de aceitação e muito tesão. Ainda que seja uma narrativa tradicional, o romance se impõe pelos diálogos e pelo contraste entre a juventude das duas e a aridez dos cenários.
Acrescente-se ao elenco gaúcho a forte contribuição de Veronica Stigger. Depois do desmonte de gêneros e outros rótulos por "Os Anões" [Cosac Naify, R$ 42, 60 págs., 2010] e "Delírio de Damasco" [Cultura e Barbárie, R$ 30, 80 págs., 2012], publicou o que Flora Süssekind chamou de "experimento narrativo mais longo", "Opisanie Świata" [Cosac Naify, R$ 25, 160 págs., 2013].
A narrativa se ancora num episódio tradicional, a carta de um filho moribundo instando o pai, que não conhece, a ir despedir-se dele. Inicia-se então a estranha viagem do Sr. Opalka por trem e navio, da Polônia à Amazônia. Textos diversos, personagens-citação, como Raul Bopp, e outras intervenções, inclusive gráficas, desmontam o pseudorrelato de viagem para criar o texto de uma das mais significativas ficções do ano passado.
PRÊMIOS Para concluir pelo caminho por onde começamos, o das iniciativas de promoção e divulgação da literatura, vale passar pelos prêmios e a influência que podem ter em lançamentos e divulgação do trabalho de novos escritores.
Publicado em 2013, "Quiçá" [Record, R$ 42, 240 págs.] foi um grande acerto do Prêmio Sesc de Literatura 2011. No romance, Luisa Geisler -que nasceu em 1991, foi premiada em 2010 na categoria conto do mesmo prêmio e era a mais jovem dos autores na seleção brasileira da Granta em 2012- cruza fios narrativos, tempo e espaços diferentes, com rara habilidade, para falar da amizade entre uma garota de 11 anos, filha de pais ocupados demais ganhando dinheiro, e um rapaz que tentara suicídio.
Em edição 2013, o Prêmio São Paulo inovou dividindo os estreantes em dois grupos etários: os de menos de 40 anos e os de 40 anos ou mais. O contemplado mais jovem, Jacques Fux, 36, premiado por "Antiterapias" [Scriptum, R$ 45, 168 págs., 2012], surpreende pela erudição, pelas referências acadêmicas e literárias e pela autoironia, rara nos jovens. Borges e Perec visitam a narrativa em citações -ou contaminações. Um fatiamento do romance em partes e as intervenções gráficas sacodem o leitor. A edição, em fonte minúscula com um texto que não respira, é torturante. Mas o leitor está salvo -o livro existe em e-book.
Uma promessa interessante, lançado também a partir de um concurso, o Prêmio Paraná de Literatura, é Caetano Galindo. O vencedor na categoria contos traz para a criação ficcional a experiência de quem pesquisa e luta com as palavras no ofício da tradução. Galindo recebeu muitos reconhecimentos, entre os quais o Jabuti pela mais nova versão de "Ulysses" (Peguin- Companhia, 2012), de James Joyce.
Em "Ensaio sobre o Entendimento Humano" (que por ora recebeu somente edição não comercial, por parte do prêmio, devendo sair pela Companhia das Letras no ano que vem) põe em discussão não apenas os limites do gênero conto, mas da prosa de ficção ela mesma. De sua experiência anterior com as palavras, o autor traz segurança na criação do convívio entre linguagem coloquial e livre e uma forte erudição. O resultado são textos tão provocadores quanto desassossegados.
A propósito de Galindo, professor da Universidade Federal do Paraná, uma última constatação sobre o universo da produção literária. Merece destaque o crescente número de autores que são professores universitários. Talvez isso contribua para diminuir o fosso entre a produção literária contemporânea e os estudos das literaturas em nossas universidades.
    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/153455-exercicios-de-2013.shtml

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Artigo da ILUSTRÍSSIMA (Folha de São Paulo), 23/02/2014

Instinto de subjetividade
Notícias da literatura brasileira no século 21
MARCO RODRIGO ALMEIDA
RESUMO No atual cenário da literatura brasileira, o sujeito, em sua esfera íntima, passa ao centro das narrativas. Marca principal detectada na ficção contemporânea por críticos ouvidos pela Folha, a tendência autorreferente, para alguns deles, ameaça a relevância do que se produz hoje ao afastar debates de relevância nacional.
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Caso escrevesse hoje um ensaio como "Notícia da Atual Literatura Brasileira - Instinto de Nacionalidade", Machado de Assis teria bons motivos para alterar o início do texto. A célebre frase "Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço, certo instinto de nacionalidade" poderia ter o "nacionalidade" substituído por algo como "subjetividade".
A "Ilustríssima" ouviu na última semana críticos e acadêmicos para traçar uma espécie de "notícia da atual literatura brasileira versão 2014". Eles responderam a um questionário acerca das tendências, novos rumos, qualidades e deficiências de nossa ficção contemporânea, cuja íntegra está na página do caderno na internet.
Para quase todos, os enredos centrados no "eu", frequentemente narrados em primeira pessoa, com temas ligados, mais ou menos explicitamente, à vida do escritor, são predominantes na produção nacional dos últimos anos.
A visada sobre as letras brasileiras atuais remonta em muitos pontos às questões propostas pela "notícia" de Machado. O bruxo do Cosme Velho publicou o texto em março de 1873. Aos 33 anos, era ainda, como alguns críticos costumam brincar, o "Machadinho", autor até então apenas do primeiro de seus romances --"Ressurreição", lançado no ano anterior.
O texto editado originalmente no periódico "O Novo Mundo", no entanto, já vislumbrava pontos centrais do "Machadão" de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" (1891) e "Dom Casmurro" (1899) e da própria discussão sobre a literatura brasileira no século seguinte.
Ele fazia um contraponto a uma ideia corrente nas décadas posteriores à Independência do Brasil, a de que apenas a "cor local", os costumes e as tradições populares, o indianismo e a história de formação do país seriam patrimônios legítimos da literatura brasileira.
"O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço", escreveu.
Machado defende que nossa literatura supere tanto a tradição nacionalista quanto a submissão internacionalista. No fim das contas, trata dos dilemas da produção cultural de um país periférico, apartado do cânone internacional, emancipado havia apenas 50 anos e de público leitor mínimo.
Nos últimos anos, essas indagações, ainda pertinentes e inconclusas, ganharam nova luz em face da internacionalização do mercado literário, da globalização dos enredos, das bolsas de tradução, do fortalecimento das feiras literárias e da capilaridade das redes socais. Nas páginas seguintes, a "Ilustríssima" apresenta análises sobre esse novo cenário.
DIVERGÊNCIAS A preponderância da escrita focada na confissão de experiências pessoais deu destaque ao termo "autoficção", tradicional em países da Europa --caso da França, onde foi cunhado nos anos 1970 para designar a mistura entre autobiografia e ficção. Nos últimos anos, foi empregado para classificar obras das mais variadas, como "O Filho Eterno" (Cristovão Tezza), "Divórcio" (Ricardo Lísias) e "A Maçã Envenenada" (Michel Laub). Embora o domínio do texto autorreferencial no Brasil seja tido como fato, a reação a ele é bastante divergente.
"O termo autoficção é um equívoco, senão um desastre", afirma Luiz Costa Lima, professor emérito da PUC-RJ, e autor, entre outros, de "Frestas: a Teorização em um País Periférico" (Contraponto). "Supõe que haja uma maneira de falar de si --auto(biografia)-- que seja tão verdadeira' que não contenha uma montagem (em geral inconsciente) fictícia. E, ao contrário, que a ficção --como consolidação verbal de um relato fictício-- seja absolutamente isenta de traços biográficos ou extraídos da realidade'."
O crítico da Folha Manuel da Costa Pinto também se refere ao termo como "equívoco de teoria literária". "No Michel Laub, não há rigorosamente nada que estabeleça esse vínculo com a biografia do autor dentro das obras, ou mesmo por informações externas. E acho que o mesmo se aplica ao Marcelo Mirisola, ao menos nos livros que li. Acho que realmente há no caso de O Filho Eterno', que explora vivências biográficas conhecidas e explicitadas pelo autor --mas que no entanto é um caso ímpar na obra de Tezza. Seus livros posteriores nada têm de autoficção."
Outra crítica é lançada por Alcir Pécora, professor de teoria literária da Unicamp. "O que tenho lido na esfera do que se autonomeia como autoficção está bem mais próximo da falsificação da experiência e da história como espetáculo vulgar", diz.
Ele comenta que a produção recente é autorreferente, bem dispersiva e pouco marcante, em qualquer tendência que se observe. "Resumindo, na poesia, a praga é o kitsch, falta de fibra e de objetividade. Na prosa, o romanesco ralo, batido, com remissões ostensivas ao mundo dos livros e à cultura de fachada." E arremata: "Não dá para fazer boa literatura fazendo glosa ou trívia de literatura".
No campo oposto está Luciana Hidalgo, uma das principais pesquisadoras da prosa autorreferencial no país."O que interessa na autoficção é que esse eu', muito reprimido na história, pode enfim se revelar e se assumir, sem repressão", comenta. "Isso não necessariamente significa qualidade, mas acho que há ótimas narrativas autoficcionais totalmente centradas nas vivências íntimas de seus autores."
Essa visão é compartilhada pelo escritor e crítico Luiz Brás. Embora diga que nunca escreveu uma única linha autobiográfica, ele avalia que o apreço às vezes ingênuo pela verdade "está salvando da falência a literatura brasileira".
"Esgotada a hegemonia modernista, nossa produção literária corria o risco de também definhar. Mas foi salva pela literatura de linguagem transparente e conteúdo subjetivo de qualidade. Na ficção, os jogos metalinguísticos recuaram em favor da representação realista. E, na poesia, o estruturalismo antipático da poesia concreta perdeu todo o prestígio para a irreverência simpática da poesia marginal", provoca.
SENTIDO POLÍTICO Decorrência natural da subjetivação, segundo os críticos, seria a ausência de um sentido político em parte significativa da prosa brasileira. Costa Pinto fala de uma recuperação do conto urbano dos anos 1960 e 1970, mas com elementos mais centrados nos desvios individuais. Como exemplo, tanto no conto quanto no romance (para o qual, diz, os autores levam a estrutura elíptica das narrativas curtas) cita Luiz Ruffato, Marçal Aquino, Joca Reiners Terron e Ana Paula Maia.
"Acho que a definitiva urbanização do país, a partir dos anos 1960, derrubou a ideia de um destino singular, sobre o qual a literatura teria a tarefa de meditar; sintonizou a literatura com questões gerais --embora a ficção sempre trate também de questões locais."
O professor de literatura da UFRGS Luís Augusto Fischer propõe uma explicação sociológica para a questão."Agora são bem mais raros os casos de escritores que lidaram com obstáculos realmente duros em sua trajetória. Isso redunda na quase ausência dos temas associados à mobilidade social no repertório temáticos das novas gerações."
As narrativas ancoradas não nos fatos externos, mas na condição testemunhal, podem representar ainda "uma forma de fugir ao isolamento estrutural do escritor em um país escasso de leitores".
As exceções, diz Fischer, são muito raras, mas dotadas de bom acerto --como "o mosaico ao mesmo tempo realista e experimental" de Luiz Ruffato e "o realismo minucioso e antiépico" de Rubens Figueiredo.
É com surpresa que Pedro Meira Monteiro, professor de literatura brasileira na Universidade Princeton (EUA), diz perceber, após tantos anos de predomínio de uma literatura mais dura e realista, uma certa tendência a buscar espaços íntimos, em que a delicadeza e o lirismo dão o tom."Eu não chamaria de deficiência, mas é claro que a questão das classes sociais pode ficar de fora dessa literatura."
Hidalgo também não acredita que a literatura atual seja politicamente engajada ("as redes sociais têm cumprido esse papel de forma mais direta", diz). Nega, porém, que a autoficção seja alienada.
"Em Todos os Cachorros São Azuis', Rodrigo de Souza Leão [1965-2009] narra com muito humor o dia a dia de um personagem (chamado Rodrigo) numa clínica psiquiátrica. Ele parte de sua própria experiência como esquizofrênico e, ao tecer essa bela ficção, deixa entrever todas as questões mais delicadas do que significa conviver com os próprios delírios e não ter o menor controle sobre isso (talvez apenas pela própria ficção). É, na minha opinião, um ato político essa exposição de si mesmo, fora da chamada normalidade'."
Para Paulo Roberto Tonani do Patrocínio, professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio, o caso mais exitoso nessa seara é o de Ricardo Lísias no livro "Divórcio".
"É a prova de que um texto formado a partir de um explícito pacto autoficcional pode ser altamente político e significativo. Se no ato de leitura não lançarmos nossa atenção para os elementos biográficos do autor, estamos diante de uma contundente representação da classe média paulistana."
ÉTICA E ESTÉTICA Ser ou não político, argumenta Costa Lima, é apenas uma das possibilidades temáticas de um escritor. No caso, de relevância ética, não estética. O dilema seria bem mais amplo.
"Creio que a falta de debate de temas de relevância nacional, ou mais especificamente políticos, não deve ser separada de uma questão mais ampla: a falta de reflexão aprofundada em nossa expressão literária. Claro que há dimensão política em Machado, mas está conjugada com outras. É a dimensão humana que conta."
Essa dimensão ele identifica nas obras de Milton Hatoum, Nuno Ramos e no romance de estreia de Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira, "As Visitas que Hoje Estamos". E em poucos obras mais. A seu ver, a razão está relacionada ao "exagero da subjetividade".
"Esse ensimesmamento excessivo, no romance e sobretudo na poesia, piora o estado das coisas. A reflexão exige um distanciamento, uma saída de si."
A opinião do professor ecoa, em parte, a de Machado, que no artigo de 1873 dizia estar o romance brasileiro isento de "tendências políticas, e geralmente de todas as questões sociais", alheio "às crises sociais e filosóficas".
Uma diferença fundamental, contudo, os separa, talvez ainda mais vasta que os 140 anos entre o ensaio e esta enquete. Machado falava de uma literatura ainda adolescente, insípida em muitos aspectos, mas ativa no debate nacional de sua época.
Hoje, acreditam os críticos, essa forma de representação se perdeu. "Um importante sintoma da produção contemporânea é o esvaziamento do desejo de representar o Estado-nação. Não há mais espaço para a narrativa fundacional da nação", conta Patrocínio.
"O que ocorre", acrescenta Pécora, "é que essa centralidade obtida em decorrência do fortalecimento do Estado-nação é um ciclo terminado, em função mesmo do enfraquecimento do Estado-nação".
"Isto posto", conclui, "não entendo que seja possível qualquer retorno à situação histórica anterior nem acho que nos cabe qualquer nostalgia da brasilidade perdida. Cabe, sim, à literatura buscar descobrir uma nova centralidade para si no cerne da vida social. É isso ou conformar-se a um papel lateral, secundário na cultura".
Encerrando esta tentativa de "notícia", podemos retomar, com modéstia --e desta vez sem alteração-- o fim do ensaio de Machado: "eis aqui por alto os defeitos e as excelências da atual literatura brasileira, que há dado bastante e tem certíssimo futuro".