domingo, 27 de novembro de 2011

SÓ FALA QUEM PODE



Vou te dizer uma coisa pra você: eu hoje tô o bicho, rezistrei tudo o que eu queria falar numa folha de papel e estou indo pra comunidade dar uma entrevista pra uma TV que eu agora esqueci o nome, mas isso não importa, importa é que eu tô tirando onda com o sucesso das UPPs. Comunidade pacificada é comunidade feliz e todo mundo lucra com isso.
Comunidade agora virou moda, todo mundo quer tirar uma casquinha, todo mundo quer uma chance de aparecer e aparecer numa comunidade dá muito mais ibope, e eu não estou falando dos soldados do iBope, mas daquela empresa da Globo que faz pesquisa pra geral.
Agora, todo mundo quer subir o morro, é um tal de sociólogo, produtor cultural, cineasta, político, turista... a lista é grande e até eu resolvi pegar a minha parte. Não sei como meu nome foi parar no caderno daquela jornalista que acabou marcando uma entrevista comigo sobre as "interferências na comunidade". Não entendi direito esse tema, mas topei. Acho que foi de tanto eu pichar os muros...os caras agora resolveram que eu sou grafiteiro e até me dão spray pra eu fazer o que antes era proibido. Só rindo, muito mané grafite.
Fui logo esclarecendo que a entrevista tinha que ser lá em cima do morro e eu queria cópia da filmagem e foto, senão, não tinha acordo e que eu não ia falar de tóchico porque eu tenho uns cumpadi que eram do movimento e eles podiam não gostar dessa minha participação. Aí, ia sujar geral. Eles toparam.
No dia marcado, chegou a moça acompanhada de mais dois caras e eu já fiquei cabreiro, poxa, achei que seria só eu. Mas tudo bem, que não sou marrento. De cara, fiquei sabendo que um dos caras era um político. Eu nunca gostei de política, mas conheço alguma coisa porque tenho experiência, vivência, fiz a faculdade da vida, sabe como é? Mas daí a discutir política com o cara que é político, vai uma distância... Mas não sou de jogar a toalha, então fiquei lá pra conversar com o pessoal.
O outro cara era um sociólogo e eu também fiquei logo cabreiro porque esses caras sempre tem uma ONG por trás deles, igual aos políticos e eu não tinha ninguém por trás de mim, era eu comigo mesmo. No final das contas, a comunidade trabalhava pra caramba e as ONGs é que ficavam com os lucros e os prêmios. Tô fora.
Conversa vai, conversa vem, fui ficando camarada dos caras. Eles achavam uma graça danada em tudo que eu falava; pensei que eu estava fazendo bonito; quando o programa fosse ao ar, minha mãe ia ficar toda toda. Lembrei que não tinha mais gatonet e a gente ia ter que ver TV na casa de alguém conhecido, mas tudo bem.
A jornalista falou uns lesco-lesco e partiu pro assunto que interessava: a paz na comunidade, a pobreza e a riqueza, a remoção do povo e pra onde todos iriam...O sociólogo começou a falar que a política de irradiação da pobreza no Rio de Janeiro tinha vários matizes e eu concordei, pegueia deixa e comentei que, quando a luz irradia, ela provoca mesmo, acho que seis ou sete cores, todas matizadas, de cor eu entendo. Essas cores, continuei, os gays se inspiraram nelas pra fazer sua bandeira. Bom gosto. O outro me cortou e começou a falar sobre a questão da pobreza, disse que era um problema antigo, falou das favelas do Rio, da época do Lacerda, no governo Jongo... nesse momento, ele olhou pra mim e perguntou “conhece o jongo, né?” Eu respondi que é claro que eu conheço o jongo, mas eu comecei a ficar meio bolado desde o dia que começaram a misturar dança com política. Os caras se entreolharam e me deixaram continuar. Eu expliquei que achava uma sacanagem um político que nem era do Rio fazer ligação do jongo com o nome dele, só podia ser pra ganhar voto.... Eles me perguntaram, todos juntos, de quem eu estava falando e eu disse: do Serra, é, falo do Jongo do Serrinha...

A jornalista me cortou e fez uma pergunta para o sociólogo e para o político. Ela queria saber de onde foi que eu tinha saído. O cara que filmava tudo desligou a câmera e o resto eu não vou contar.

 Imagem:http://juzinhasoli.wordpress.com/2009/12/02/em-boca-fechada-nao-entra-mosca/

sábado, 19 de novembro de 2011

O que acontece quando um monte de amigas se reencontra? Veja uma possibilidade em ELA CHEGOU DE SALTO ALTO


 
Ela chegou de salto alto, cheia de si e foi logo avisando: hoje eu estou danada, bota uma cerveja aqui! Há tempos as amigas não se encontravam, todas assim, morrendo de saudades mas nem tão cheias de novidades. Era bom reunir a turma, uma viagem no tempo. Quando juntas, todas se nivelavam em idade – a primeira infância.
Não era porque o motivo da reunião fosse os sessenta anos de uma delas, que elas iriam nivelar por cima. Nunquinha. Conforme a própria aniversariante falara, a maioria delas já tinha mais tempo passado do que futuro, então, de acordo com os astros, a fase que se anuncia é prenúncio do carpe diem mais doido da história.
Ela chegou de mini-saia, uma coisa que há muito nenhuma delas usava, exceto as duas mais novinhas que teimavam em se incluir no grupo e, diga-se de passagem, eram muito bem vindas. As outras trajavam roupas de acordo com a idade. As mais novinhas estavam de jeans, camiseta e juventude, não precisariam de maquiagem, cordões, pulseiras, óculos coloridos, roupas de grife, nada desses supérfluos que servem para disfarçar pneuzinhos, rugas, olheiras e chamar a atenção para outros pontos do corpo e do rosto.
Ela estava com uma blusa vermelha de cetim, sem mangas e com um monte de babados no pescoço. Fazia frio, mas ela frizava a todo momento: tô com um calor da porra, liga esse ar condicionado! Tá com defeito, o ar? Traz outra cerveja, mas veja se tem uma mais gelada! Logo, a aniversariante já comentava com todos: essa aí só pode ser a periguete da terceira idade, nunca sente frio....hahahaha
E a música começou. Um grupo de quatro rapazes que tocavam samba. Todas dançando, ê ô ê ô... e a periguete da terceira idade dava seu show particular, rebolava, ia até o chão, deixava tudo à mostra, paquerava os rapazes da banda, que morriam de rir, nessa altura do campeonato. Uma das amigas comentou que os rapazes eram muito novinhos, no que a periguete da terceira idade, revoltadíssima, soltou a frase: de velha já chega eu, só quero agora é carne nova...mas a noite não era para isso, os prazeres da carne não foram acionados.
Era para ser uma noite comemorativa. E foi.
Conforme o tempo passava e as cervejas eram consumidas, começaram a pedir músicas mais antigas, sambas enredos de carnavais passados e felizes e dançavam sem parar. Lá pelas tantas, a aniversariante queria terminar a festa, cantar os parabéns e ir embora. Ela sempre dormira cedo e, nas festas alheias, era sempre a primeira e sentir sono. Mas as amigas não concordavam com a idéia. Ela era a anfitriã e, como tal, seria a última a deixar o recinto. A periguete declarou: só saio de manhã. As outras se entreolharam preocupadas e resolveram optar por um meio termo. Vamos cantar os parabéns e depois a gente vê como fica.
Foi aí que tiveram a idéia de não deixar a aniversariante esmorecer e, uma após a outra, tiravam a aniversariante para dançar. Ela estava com os pés doendo e resolveu tirar os sapatos, trocando-os por uma sapatilha rasteirinha. Foi-se o glamour, para que a alegria pudesse predominar.
As outras dançavam, bebiam e se revezavam no banheiro, porque cerveja...sabe como é, né?
O marido de uma das amigas, que estava sentado do lado de fora do barzinho, com a desculpa de que era fumante, resolveu ir embora. Então, deu-se o embate.  A esposa disse que JAMAIS DEIXARIA A AMIGA SOZINHA, ELA, QUE SEMPRE ESTIVERA AO SEU LADO NOS MOMENTOS MAIS DIFÍCEIS....foi quase um discurso e o marido cedeu, quase chorando de emoção, pois não sabia que a esposa falava tão bonito!
E mais cerveja e música, muita música. Foi aí que uma das amigas resolveu mostrar seus dotes de cantora, sacou o microfone das mãos do cantor e quase que não largou mais. Cantava qualquer coisa, desafinava pra caramba, mas nada disso importava, o importante é que exercia sua liberdade de cantar e as amigas batiam palmas, pediam bis e riam todas juntas.
Aí veio o parabéns e quase ninguém comeu o bolo porque, estando todas de dieta, optaram pela cerveja e o bolo ficou em cima da mesa. Uma das amigas fez o favor de guardá-lo. Teve discurso, emoção, uhu! E todas estavam felizes por estarem compartilhando aquele momento. A aniversariante se gabava: agora estou sexy....sexagenária!!! Como é bom fazer piada sobre nós mesmas!
Mas aí, o cansaço já estava tomando conta de todas (da maioria, pelo menos). Uma delas lembrou que o conjunto ia parar de tocar e mais uma outra falou que era melhor pagarem a conta. Todas concordavam, menos a periguete da terceira idade, que perdia a pose, mas não descia do salto, para risadagem geral.
Até onde me lembro, entrei num táxi e cheguei em casa, tendo deixado outras amigas antes. Não sei se me despedi de todo mundo. Minha amnésia alcoólica é f......Mas jamais esquecerei esta noite e o nosso reencontro. Ao nos reencontrarmos, nos reencontramos também com nossas melhores fases e com as graças que cada uma tem; nos reencontramos com o tempo e com as peças que ele nos prega. E provamos, para os fofoqueiros de plantão, que mulher é amiga de mulher; que mulher sabe se divertir e que mulher, quando se junta, nem sempre fala de criança, de casa e de homem, porque tem outras coisas muito interessantes para se fazer na vida.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

QUASE LUGAR COMUM


Quando lhe vi pela primeira vez
imaginei
o jeito como você beijava.
E quando vi suas mãos
tão limpas e grandes,
as unhas cortadas
e uma aliança denunciando a posse,
imaginei seus dedos
me cortando o ventre
e investigando os desvãos do prazer.
Cheguei a sentir sua fúria
me apertando os ossos e me deixando
molhada e escorregadia.
Pensei em como seria percorrer seu corpo
de linhas bem traçadas
inventando novos caminhos
que só eu seria capaz de percorrer.

Mas, como de resto,
o tempo rolou
e rolaram junto
as pedras do meu caminho.
Rolou meu corpo
em outras camas e espinhos
e você ficou
no rol dos sonhos proibidos.
E eu até me esqueci
dos planos que fiz
dos desejos que tive
da vontade de morder sua boca
e beijar seus olhos
por trás dos óculos escuros.
Como pude cometer este delito?
Quantas voltas dá o coração?
É fato que sempre volta
aos antigos portos
onde não teve condição de aportar?

E, ainda hoje,
quando vejo você bebendo sem jeito,
dançando fora do ritmo,
tentando se comunicar
sem ter necessariamente intimidade com as palavras,
como se fosse um menino
aprendendo a falar,
me dá uma vontade esquisita
de me enroscar em suas pernas malditas
e delirar.
De mandar tudo à merda
e romper de vez os muros.
De acabar, enfim, com essa agonia
e nos lambuzar por inteiro
de leite, saliva, cabelos e urros.
Mas eu não sou para você
e você não é para ninguém.
Fazemos parte de uma legião de solitários
que sofrem por medo de ir além.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

NAQUELES TEMPOS

NAQUELES TEMPOS



Naqueles tempos ele acordava
e saudava a terra, o ar e a água
com uma reverência que deixava bem clara
toda sua submissão aos três elementos,
não fosse o fogo que ardia em seus subterrâneos
e que se impunha como o subsídio necessário à vida,
poderiam pensar se tratar de uma unidade perfeita.

Naqueles tempos, ele contava
que os animais escreviam e falavam
e que ainda fariam isso,
por muitos e muitos séculos,
mas a capacidade
de leitura e entendimento dos homens
seria escassa demais,
o que tornaria certos entendimentos
totalmente impossíveis de acontecerem.

Naqueles tempos, ele amava a mulher
e construíra com ela um corpo
que funcionava perfeitamente feliz,
numa união tão próspera que gerara
filhos feitos de amor,
mas um dia tal capacidade se esgotaria
pelo alargamento insensato do egoísmo
desnecessário à edificação da felicidade.

Naqueles tempos
ele não reagia negativamente
às coisas imperfeitas da vida,
porque todos se lambuzavam de leite e mel,
porque as mulheres trançavam seus cabelos
e os homens lhes colocavam flores nas tranças,
porque as crianças acordavam com o sol
e adormeciam aos primeiros clarões da lua
completamente plenos de alegria.

Naqueles tempos sua existência era possível
pois os rios, as árvores, cores, ar e criaturas
eram uma coisa só,
amalgamados que estavam por um sentimento que já se foi,
uma emoção que nunca mais se sentirá,
que acabou junto com as horas e os minutos 
bem-aventurados daqueles tempos.