domingo, 4 de novembro de 2012

SEMPRE UMA SABIÁ




Choveu a noite inteira e agora, pelas primeiras horas da manhã, a natureza se apresenta de alma lavada. Os verdes assombram a vista e se colocam inteiros em cada arbusto, grama ou grande árvore que aprecio.
Sento à mesa do café e me deleito com a paisagem que vejo da janela. Está nublado, mas não chove mais. Algumas plantas ainda carregam sobre suas folhas algumas gotas de água e eu não saberia precisar se são gotas de chuva ou de orvalho. Sei que brilham e bailam e algumas se permitem cair das folhas ao encontro da terra úmida que as abrigará.
Entre um gole de café forte e um pedaço de bolo, vejo em minha janela um pássaro caminhando de um lado para outro. Imponente, cabeça erguida, o peito alaranjado, vejo tratar-se de uma sabiá-laranjeira.
Ela me ignora solenemente e salta para os galhos próximos para, em seguida, como que seguindo um ritual, desfilar no parapeito da janela. Fico inebriada com aquele ser que esfrega sua natureza de pássaro em minha cara e dá pequenos vôos ao redor das árvores do meu quintal. Que bela apresentação!
Penso em abrir o vidro da janela para ver se ela entra em minha sala. Mas, não. Ela não me presentearia com uma visita. Tento me aproximar, mas ela entende meus movimentos e voa para mais longe.
Recolho-me e fico quieta olhando. Ela se aproxima do vidro e dá pequenas bicadas. Estaria tentando se comunicar comigo? Que sentimentos teria a compartilhar comigo? Não. Penso que vê sua figura refletida e tenta um entendimento. Ela só quer se comunicar com os iguais e eu, muito presa ao chão, custo a compreender isso.
Uma sabiá no café da manhã parece ser uma coisa simples para quem enxerga apenas um pássaro, uma xícara com líquido quente e preto, uma casa numa cidade do interior. Mas o cheiro do café, há muito, penetra minhas cavidades e me provoca viagens no pensamento e na alma. E o pássaro, quando se coloca na condição de liberdade que sua conformação física lhe permite, me toca lá no fundo, me provoca as vontades mais loucas de experimentar sair da minha gaiola e ver a vida mais de perto.
Estou prestes a ter uma vertigem. A visão da sabiá passeando em minha janela é um chamamento a que eu me desacomode de minhas almofadas mofadas e sinta o cheiro do mato e perceba os matizes da vida e, enfim, abra minhas asas e saia de mim.

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