Choveu a noite inteira e agora, pelas primeiras horas da manhã, a
natureza se apresenta de alma lavada. Os verdes assombram a vista e se colocam
inteiros em cada arbusto, grama ou grande árvore que aprecio.
Sento à mesa do café e me deleito com a paisagem que vejo da janela. Está
nublado, mas não chove mais. Algumas plantas ainda carregam sobre suas folhas
algumas gotas de água e eu não saberia precisar se são gotas de chuva ou de
orvalho. Sei que brilham e bailam e algumas se permitem cair das folhas ao
encontro da terra úmida que as abrigará.
Entre um gole de café forte e um pedaço de bolo, vejo em minha janela um
pássaro caminhando de um lado para outro. Imponente, cabeça erguida, o peito
alaranjado, vejo tratar-se de uma sabiá-laranjeira.
Ela me ignora solenemente e salta para os galhos próximos para, em
seguida, como que seguindo um ritual, desfilar no parapeito da janela. Fico
inebriada com aquele ser que esfrega sua natureza de pássaro em minha cara e dá
pequenos vôos ao redor das árvores do meu quintal. Que bela apresentação!
Penso em abrir o vidro da janela para ver se ela entra em minha sala.
Mas, não. Ela não me presentearia com uma visita. Tento me aproximar, mas ela
entende meus movimentos e voa para mais longe.
Recolho-me e fico quieta olhando. Ela se aproxima do vidro e dá pequenas
bicadas. Estaria tentando se comunicar comigo? Que sentimentos teria a
compartilhar comigo? Não. Penso que vê sua figura refletida e tenta um
entendimento. Ela só quer se comunicar com os iguais e eu, muito presa ao chão,
custo a compreender isso.
Uma sabiá no café da manhã parece ser uma coisa simples para quem enxerga
apenas um pássaro, uma xícara com líquido quente e preto, uma casa numa cidade
do interior. Mas o cheiro do café, há muito, penetra minhas cavidades e me
provoca viagens no pensamento e na alma. E o pássaro, quando se coloca na
condição de liberdade que sua conformação física lhe permite, me toca lá no
fundo, me provoca as vontades mais loucas de experimentar sair da minha gaiola
e ver a vida mais de perto.
Estou prestes a ter uma vertigem. A visão da sabiá passeando em minha
janela é um chamamento a que eu me desacomode de minhas almofadas mofadas e
sinta o cheiro do mato e perceba os matizes da vida e, enfim, abra minhas asas
e saia de mim.
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