domingo, 17 de fevereiro de 2013

SOBRE FLORES E CAMINHOS



Joaquim olhou a casa vazia, sem o cheiro de comida gostosa que sentira nos últimos setenta anos de sua vida, sem bolo de laranja no aparador da sala de jantar, sem a presença de Lucinda, a quem amara desde sempre. Não conhecera outra mulher, na forma como as mulheres devem ser conhecidas por quem as ama, e a ela dedicara todos os seus bons sentimentos, desde o dia em que a vira colhendo flores azuis numa pracinha lá pelas bandas da Tijuca. Era um tempo bonito, romântico, calmo. O tempo caminhava de mãos dadas, carinhosamente, ofertando-se a quem sabia aproveitá-lo.
 Joaquim chorou e se encaminhou à cozinha. Bebeu um copo d’água e sentou-se à mesa. Respirou fundo. Sentiu uma dor fina percorrer sua alma. Lucinda e ele descobriram o mundo juntos, conheceram o amor juntos e realizaram a vida unidos pela mais absoluta cumplicidade e paixão. Cada ano tinha sido um fruto maduro que degustaram embevecidos.  
Sem perceber, pegou a caneta e pôs-se a rabiscar uma embalagem que estava em cima da mesa. Distraiu-se enquanto relembrava que a casa, sempre de janelas abertas, recebia o vento intruso que passava pelas cortinas diáfanas e vasculhava seu interior. Pela manhã, encontrava-se Lucinda ajeitando o almoço, preparando a mesa, cuidando dos cabelos longos, arrumando uma coisa aqui, outra ali, enquanto Joaquim estava no escritório trabalhando. Pela tarde, o tempo registrava os dois lendo, fazendo palavras cruzadas, descansando ou, simplesmente, sentados, em silêncio, um ao lado do outro. Quanto conteúdo havia naquele silêncio! Um silêncio de confiança, um silêncio de amor correspondido. O silêncio que só quem ama de verdade suporta ouvir do ser amado.
Nas tardes mais frescas, Lucinda bordava pequenas flores azuis nas toalhas de mesa, nas fronhas dos travesseiros, nos lençóis e em todos os panos da casa. Sempre aquelas flores azuis delicadas se multiplicando por galhos fininhos, como uma trepadeira à procura de um suporte para se agarrar e continuar a subir em busca da.... luz?
As noites foram sempre aconchegantes e se amaram com paixão e se aninharam com carinho até onde a vida permitiu. Sem Lucinda, |Joaquim se pergunta como será respirar. Faltava-lhe o ar e ele suspirava.
Causava-lhe medo saber que, a partir desta tarde, não veria o sorriso no rosto suave de Lucinda, um rosto que contava histórias em suas diversas rugas, um rosto onde Joaquim podia mirar-se. Sentiu uma dor mais forte e ainda teve tempo de perceber que desenhava pequenas e delicadas flores azuis serpenteando pelos espaços em branco até que, exausto, reencontrou Lucinda.

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