sexta-feira, 30 de março de 2012

REVELAÇÃO



Sempre teve muitas dúvidas, mas já estava acostumado a não buscar mais as respostas. Era assim que a vida fluía, era como uma tatuagem na alma, fazia parte de sua vida como respirar, trepar, mijar, não necessariamente nessa ordem. Dúvidas. Tinha muitas.
Duvidava de sua existência, da mulher com quem dividia a cama e algumas latas de atum com pão nos finais de semana, das matérias jornalísticas, da possibilidade do homem chegar a Marte, da cura da Aids, enfim, de muita coisa.
Mas tinha uma fé profunda na internet. Mantinha com seu computador uma relação de adoração, idolatria e se submetia ao que fosse necessário como quem cumpre uma penitência nos dias que antecedem a Semana Santa dos Cristãos.
Acessar a internet era como participar de um ritual de passagem. Passava do seu mundinho real para as coisas estampadas naquela tela luminosa e sentia uma vertigem como se estivesse bebendo o chá do Santo Daime. Uma revelação, um mergulho no sagrado, uma dominação consentida.
Nu. Assim se apresentava ao grande deus. Tirava a roupa e fazia suas abluções. Meditava um pouco e entoava mantras. Tinha desenvolvido um ritual de purificação do corpo, da mente e da alma para poder se entregar inteiramente ao mundo virtual que se apresentava repleto de luzes e sons.
Agora, por exemplo, estava diante do computador ligado e já havia iniciado sua sequência de salamaleques e reverências quando ouviu a voz de sua mãe. Duvidou do que ouviu, mas a voz o chamava pelo apelido de criança e ele se espantou. Era um homem feito, o bigode e o tamanho do pênis não deixavam dúvida, aliás, essa dúvida não fazia parte do seu rol de equívocos, mas isso não era importante agora.
Passado o primeiro susto, resolveu desligar tudo. Tomou uma chuveirada, raspou os pelos do corpo, untou o corpo com óleos aromáticos, barbeou-se com cuidado para não cortar o bigode e voltou ao escritório. Ligou toda a aparelhagem e olhou fixamente para a tela do monitor.
Viu um texto longo, era uma carta de sua mãe, que ele leu com atenção e cuidado. A letra era dela, não havia dúvidas; o assunto era o de sempre, também não tinha como desconfiar; e, ao término da carta, ela o chamava para junto de si, não sem certa angústia, e seu corpo começou a levitar de uma forma absurda, suas formas tão definidas adquiriram uma transparência azulada e ele foi sendo tragado pela tela iluminada como quem volta ao útero materno num movimento de desnascimento até que...

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