quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Texto produzido na Oficina Literária do CCJF. Autora: Heloísa Marcondes


Uma história a partir da interferência "sol a pino no final da tarde e música alta no ar".

"Naquela sexta-feira ela ficou com o carro. Ele foi trabalhar de carona com um amigo e ela prometeu apanhá-lo às seis horas da tarde para irem juntos visitar um casal de amigos e, talvez, jantar com eles. Tudo dependeria do humor de ambos.
O clima entre eles não andava lá muito bom. Qualquer coisinha era motivo de discussão. Conciliar o trabalho da pós com a paz doméstica estava difícil. Buscar em Lacan a explicação para aquele caso de masoquismo que escolhera como tema de discussão requeria uma concentração que ela não estava encontrando. Desistiu, então, e desligou o computador. Fechou os livros, mudou de roupa, desceu, ligou o carro e foi para a cidade, a uns oito quilômetros de seu paraíso na terra.
Aquela casa, aquele rio, as árvores que plantaram juntos, seus bichos, tudo aquilo era o seu sonho realizado. Ali ela se sentia inteira, sua energia se recarregava, sua sensualidade emergia, ela se sentia maior.
Casamento, relacionamento, entendimento. Tudo isso é uma amolação quando no ar existe uma dúvida, uma única pergunta não respondida que ela recebeu como se ele estivesse disfarçando alguma coisa. Veio o ciúme, o velho ciúme a futucar sua insegurança, a fazê-la remoer raivas e brigas antigas. Mas, agora, ela não estava querendo se chatear.
Com a pressa de sair para não perder a hora, ela não notou que o sol ainda brilhava forte. À medida em que percorria a estrada de terra foi notando uma claridade que não era comum àquela hora da tarde. Lembrou então que as cachorras não foram se despedir dela como sempre fazem ao vê-la ligar o carro. Tudo estava parado. Nenhuma folha se movia.
De repente, ao aproximar-se da cidade, ela reparou que nada se mexia na rua, que não havia ninguém em lugar nenhum. E começou a ouvir a música, que aumentava de volume como a sua dúvida, como as perguntas que gritavam na sua cabeça.
Encostou o carro, colocou as mãos nos ouvidos para fazer parar aquele som, mas não adiantou. O sol e o calor do lado de fora estavam insuportáveis. Sentiu-se só, perdida, aturdida. Onde estava a sua paz, a sua harmonia, o seu paraíso?
Foi então que sentiu a mão no seu ombro e olhou para trás. E viu o seu amor. Abraçou-o com força e esqueceu as perguntas. E não restou mais dúvida."


Heloisa Marcondes
07 dez 2012

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