Uma história a partir da interferência
"sol a pino no final da tarde e música alta no ar".
"Naquela
sexta-feira ela ficou com o carro. Ele foi trabalhar de carona com um amigo e
ela prometeu apanhá-lo às seis horas da tarde para irem juntos visitar um casal
de amigos e, talvez, jantar com eles. Tudo dependeria do humor de ambos.
O clima entre eles não
andava lá muito bom. Qualquer coisinha era motivo de discussão. Conciliar o
trabalho da pós com a paz doméstica estava difícil. Buscar em Lacan a
explicação para aquele caso de masoquismo que escolhera como tema de discussão
requeria uma concentração que ela não estava encontrando. Desistiu, então, e
desligou o computador. Fechou os livros, mudou de roupa, desceu, ligou o carro
e foi para a cidade, a uns oito quilômetros de seu paraíso na terra.
Aquela casa, aquele
rio, as árvores que plantaram juntos, seus bichos, tudo aquilo era o seu sonho
realizado. Ali ela se sentia inteira, sua energia se recarregava, sua
sensualidade emergia, ela se sentia maior.
Casamento,
relacionamento, entendimento. Tudo isso é uma amolação quando no ar existe uma
dúvida, uma única pergunta não respondida que ela recebeu como se ele estivesse
disfarçando alguma coisa. Veio o ciúme, o velho ciúme a futucar sua
insegurança, a fazê-la remoer raivas e brigas antigas. Mas, agora, ela não
estava querendo se chatear.
Com a pressa de sair
para não perder a hora, ela não notou que o sol ainda brilhava forte. À medida
em que percorria a estrada de terra foi notando uma claridade que não era comum
àquela hora da tarde. Lembrou então que as cachorras não foram se despedir dela
como sempre fazem ao vê-la ligar o carro. Tudo estava parado. Nenhuma folha se
movia.
De repente, ao
aproximar-se da cidade, ela reparou que nada se mexia na rua, que não havia
ninguém em lugar nenhum. E começou a ouvir a música, que aumentava de volume
como a sua dúvida, como as perguntas que gritavam na sua cabeça.
Encostou o carro,
colocou as mãos nos ouvidos para fazer parar aquele som, mas não adiantou. O
sol e o calor do lado de fora estavam insuportáveis. Sentiu-se só, perdida,
aturdida. Onde estava a sua paz, a sua harmonia, o seu paraíso?
Foi então que sentiu a
mão no seu ombro e olhou para trás. E viu o seu amor. Abraçou-o com força e
esqueceu as perguntas. E não restou mais dúvida."
Heloisa Marcondes
07 dez 2012
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