domingo, 18 de março de 2018

AS BRUMAS DA BAÍA DE GUANABARA - Para o Caneta, Lente e Pincel

Naquele dia, as brumas chegaram mais tarde. Um início de sol já esquentava as carcaças dos cariocas quando uma névoa branca veio chegando pelo mar e invadiu praias, ruas, túneis, pessoas, bairros, chegando aos recantos mais distantes da Baía da Guanabara, das almas, dos corações e das  mentes.
Por onde passava, despertava comportamentos fundamentados sabe-se lá em que parte obscura da mente e do coração. Aos que pensaram nas Brumas de Avalon, foi fácil imaginar rituais sob a densa cerração com homens e mulheres dionisíacos dançando, bebendo e fazendo sexo pelas areias das praias desertas, quando o Rio ainda não era o que é hoje, mas já tinha nas entranhas a promiscuidade e a lascívia.
Quem achou tratar-se do fim do mundo, aproveitou-se do espesso nevoeiro para dar sentido à vida e se entregar à realização dos mais escondidos pecados, coisas em que nem ousavam pensar. Não era nem preciso fechar os olhos e deixar-se ir. As brumas tinham esse efeito embriagador e provocador, ao mesmo tempo em que serviam de escudo e esconderijo.
Alguns pensaram numa passagem bíblica e buscaram sua religação com o divino, abandonando seus sagrados corpos aos prazeres exigidos pelos deuses do amor e da luxúria. Rituais de encantamento e fertilidade cederam lugar aos comportamentos 3X4 das revistas de fofocas e as pessoas se sentiram mais felizes.
Homens e mulheres de negócios que, no início, ficaram com raiva por conta do atraso nos vôos da ponte aérea, deram-se um momento de folga, afrouxando a gravata, pisando descalços o chão gelado dos aeroportos, pensando em nada como fórmula para obter o maior lucro daquela situação. Era muito bom não ser.
Muitos sentiram um cheiro de fumaça no ar, coisas queimando no inferno, rabos e tridentes vermelhos fustigando a rotina e a mesmice. Sentiram o perfume de pizza, churrasco, fogão à lenha e fogueira de São João e alguns choraram de saudades da infância.
Quem usava óculos, teve as lentes embaçadas e os que não usavam, tiveram a sensação de que havia algo escondido a ser decifrado. O que viam não estava muito claro e passaram a desconfiar das sombras e da claridade. Para se prevenirem de acidentes mais graves, pensaram em ligar os faróis de neblina, mas a vida ainda não inventou um dispositivo desses para o corpo humano, de modo que tiveram que guardar a desconfiança e deixar que a crença ocupasse o pouco lugar à luz do dia, daquele dia.
 Eu fiquei pensando nas noites que não vivi, nas camas que não frequentei, nos poemas que tentei escrever, nas lágrimas que já verti à toa e me deu uma vontade louca de viver de verdade. E aí, um vento começou a soprar, um vento brando desses de beira de mar que me revirou os cabelos, os sonhos, os medos e me revirou o jeito de achar que as coisas não tem solução, de pensar que eu não tenho juízo, de fazer força para encobrir o que há de bom na vida. E esse vento foi ficando mais forte, as brumas se dissiparam, o sol voltou a brilhar. E brilhou tão intensamente que me inundou de luz. As pessoas retomaram seu curso. E eu corri para viver a minha vida porque já estava atrasada para ser feliz.

Texto: Maria Emília Algebaile
Imagem: Márcia Carmo

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