quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

EMBAIXO DA ÁRVORE PELADA

Foi há pouco tempo que descobri seu nome. Para mim, sempre foi a “árvore pelada”. Ficava no jardinzinho de entrada da casa de minha mãe e dava umas flores brancas lindíssimas, de suave perfume; seu tronco era liso, robusto, com uns desenhos muito bonitos e soltava uma seiva leitosa quando ferido. As folhas eram duras, grandes, largas e brilhantes, de um verde escuro peculiar. Lá pelo mês de abril ou maio, ela se transformava na árvore pelada, pois caíam-lhe todas as folhas. Nessa época ela também era linda! O jasmim manga começava a florescer em final de agosto e a árvore se vestia de novo na primavera, mostrando todo o seu esplendor.
Embaixo da árvore pelada, muita coisa aconteceu. Ela foi testemunha ocular e paisagem para fotografias de muitos momentos importantes de minha vida. No início, ainda um arbusto e, depois, grande, cheia de galhos, tomando quase que a entrada toda da casa, encobrindo o portão e fazendo sombra no pedacinho de varanda onde meu pai pegava sol pela manhã.
Tenho uma foto com um barrigão de seis meses de gravidez, uma promessa que se anunciava, embaixo da árvore pelada.
Fiz corações e escrevi iniciais com uma faquinha no tronco da árvore pelada. As letras e os desenhos foram ficando disformes conforme a árvore pelada crescia, assim como os meus antigos amores.
Vi meu pai voltar a dar seus primeiros passos após o derrame, embaixo da árvore pelada.
Enchi de serpentinas a árvore pelada.
Coloquei bolas coloridas e pisca-pisca para transformar em árvore de Natal a árvore pelada.
Amarrei umas cordas e transformei em varal de fraldas os galhos da árvore pelada.
Deitei no chão e fiquei uma tarde quase inteira olhando para o céu, pensando nos meus problemas e tropeços, por entre as flores da árvore pelada.
Amarrei meu cachorro, depois de ter-lhe dado banho, para que secasse embaixo da árvore pelada.
Varri o quintal para recolher as folhas que caíam no chão embaixo da árvore pelada.
Tirei fotos do bloco de carnaval, todo mundo fantasiado, embaixo da árvore pelada.

Um dia, minha mãe resolveu se mudar da casa e minhas histórias ficaram registradas na árvore pelada, que foi cortada pela nova moradora para que se pudesse fazer uma garagem para o carro novo.

Do livro: Mulheres que correm com as baratas, Editora Torre, Rio de janeiro, 2011

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