segunda-feira, 25 de julho de 2011

RECORDAÇÕES DO LÍBANO


Quando eu era pequena, o que conhecia do Líbano era o meu avô. E ele era lindo, um homem grande, elegante, carinhoso comigo e minha irmã. E ele nos pegava no colo e falava enrolado, mas um enrolado que era plenamente entendido por nós, tão pequenas e tão maravilhadas com as coisas que ele contava.
E ele contava coisas sobre seu país, de onde tinha saído com minha avó grávida de minha tia Genoveva, para vir construir uma casa no Brasil e ter mais sete filhos, entre eles, meu pai Faid. E ele contava também que, naquela época, o Líbano estava tomado pela França, por isso ele tinha vindo para o Brasil com um passaporte cheio de carimbos franceses. Eu não entendia bem o que significava aquilo, mas sentia que ele contava esta parte da história com voz triste. Ele era filho único e tinha deixado a mãe e o pai por lá para vir tentar a vida no “novo” continente.
E ele nos mostrava um camelo, que era o animal do Líbano, assim como o canguru é o animal da Austrália. E nos contava que o camelo passava dias e dias sem beber água, atravessando o deserto. E eu pensava o que poderia induzir um camelo a atravessar um deserto, ainda mais sem beber água, sem saber que no futuro, muitas vezes eu me sentiria meio camelo...
Tinha também, em sua escrivaninha, uma fruta seca, já meio desmanchada, que ele dizia ser de lá, do Líbano. E tinha uma bandeira com uma arvorezinha verde que eu achava linda! Ah! E os jornais que ele recebia escritos em árabe...a mesma língua de Sherazade das Mil e uma Noites.
Meu universo libanês se restringia a estes objetos, a estes sentimentos e, principalmente, ao meu avô. Mas era um universo tão lindo, tão mágico! Meu avô morreu quando eu tinha 6 anos e até hoje eu me lembro do meu Líbano particular. Principalmente quando vejo esta guerra maldita que devasta o país do meu avô, com a morte de tantas crianças do Líbano real, com a intolerância de um Estado cruel que impede que os camelos atravessem o deserto para cumprir suas sinas, que impede que as frutas cresçam nas árvores gerando futuras sementes, que impede que os cedros do Líbano cresçam em paz, principalmente agora, a imagem que tenho do Líbano é a cara do meu avô sorrindo, são os braços do meu avô me pegando no colo, é a fala do meu avô naquele português enrolado contando uma história de um país maravilhoso que corre hoje o risco de existir apenas em pensamentos.

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