sábado, 5 de maio de 2012

COISAS DO BAÚ (1)


CARTA AO MEU AMOR



Aproxima-se a hora de meu amado pisar novamente este chão.
De repente,
o solo do maravilhoso deixará de ser sua morada
e ele me chegará
com a barba por fazer,
a roupa suada
e aqueles olhos que se desencantam
na mesma intensidade e freqüência
com que pesquisam tudo ao seu redor;
então, o olharei meio penalizada
mas ainda cheia de desejo
por seu corpo salgado (que nunca sei se de suor ou mar);
esboçarei uma palavra
e sufocarei para sempre o imaginário.

Nosso amor será mais um acontecimento banal
num jornal de ontem.

(o mistério do fundo dos grandes oceanos
salga a carne, apura os sentimentos.
A transpiração é o resultado
do ritmo das marés e das ondas
que sempre trazem à tona
os segredos mergulhados nos abismos do mar.
Ainda que tarde,
a escuridão abissal, um dia,
encontra-se com a luz do sol.
E arde. Ainda que tarde.)


Não venha meu amor!
Nossa vida não comportaria
o acordar-trabalhar-consumir.
Não suportaria deixar de lhe dar
nuvens, espumas e vaga-lumes
para enfeitar nosso leito.
Não poderia abrir mão
de buscar estrelas que iluminassem
nossas pequenas mortes pelas madrugadas ,
nem de um punhal reluzente
para sangrar-nos à meia noite.
Não venha

Nosso amor é dois mil quilômetros de distância.
É a respiração presa do soldado na guerra.
É uma viagem de avião sem aterrissagem.
Um encontro escondido num bar vazio
à beira de uma lagoa deserta.

Não podemos nos amar café com pão,
deitados numa cama,
compromissos comuns na agenda.
Isso é pouco para o nosso amor.

(A lava dos vulcões
é o orgasmo dos grandes amantes.
A essência do amor não cabe no corpo,
é expulsa concreta e prazerosamente.
Às vezes, cria. Às vezes, mata.).

A garantia do nosso amor
é o modo essencial de ser.
Eu me mordo de desejo
e choro de saudades
do homem que é meu só porque distante.
Você se encaixa e se excita
com a lembrança infiel
da mulher que não vê, mas sente.
(A mulher recriada por nosso novo Deus,
no paraíso infernal do sonho,
mulher pela qual se apaixonou.)

Ao nos depararmos um com o outro,
quanto de cada um
corresponderá à imagem recriada pelo outro?
E quanto do outro
preencherá o espaço reconstruído por cada um?

Como os grandes heróis épicos,
transitamos entre o real e o imaginário.
Apenas, nossa realidade é virtual
e nosso imaginário, tão comprometido...

Enquanto penso,
o insensato relógio do tempo
teima em nos aproximar.
Não venha!

E assim pensando e sentindo
não percebo aumentar a distância
que nos liberta das correntes da história.
Não venha!

Para sermos um,
é preciso manter distantes os corpos;
é preciso manter aceso o fogo;
é preciso buscar, fugindo;
e nos encontraremos sempre
em cada brisa ou tapa que tocar nosso rosto,
em cada beijo que molhar nossas bocas,
em cada música, gemido ou choro que se escutar de longe,
em cada grito,
      cada olhar,
      cada adeus.

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